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terça-feira, 4 de março de 2014

Carlos e Jéssica: O dia em que as engrenagens pararam

Autor: I. J. Santim
Acessem pela imagem e leiam meu primeiro romance

Capa: da minha querida colega e amiga Priscila Rigoni

 
Cinco da manhã. Lá fora está escuro. Faz frio. Há trovões. Relâmpagos. Raios. Dentro, um relógio despertador tocando. Carlos, mal humorado, acorda e dá um tapa violento na droga do despertador como se o aparelho fosse culpado por suas escolhas, consequências e contextos aleatórios. Ele fechou novamente os olhos, desejando voltar a dormir por mais quinze minutos, os quais se tornariam trinta, depois uma hora, fazendo-o atrasar-se ao seu trabalho e discutir com o almofadinha do chefe do setor, porém isso não se realizou. Jéssica adentrou apressadamente no quarto. Ela já vestia o uniforme da empresa, a qual ambos trabalhavam e sacrificavam-se, inclusive nos finais de semana.
  • Amor, você irá se atrasar.
  • Me deixa dormir mais um pouco.
  • Não!
Jéssica sorriu maliciosamente e puxou o lençol da cama.
  • Não, Jé! Para! Deixa de ser chata!
  • Carlos, você sabe que ao chegar atrasado, terá de discutir com os guardas da portaria para poder entrar e o almofadinha do Diego que não fecha mais contigo há uns três meses.
  • Você está certa querida. - Respondeu sonolento Carlos.
  • O café está na mesa e eu terminarei de arrumar as crianças. Tadinhas, acordá-las a esta hora é tortura!
  • Isso se chama indústria...
  • E nós somos seus órgãos.
Carlos e Jéssica normalmente mantinham longas conversas ora de estilo marxista, ora apenas hegeliano acerca do real sentido da indústria e de toda a sua produção, chegando à triste conclusão de que muito do que se produz é supérfluo, sem serventia e capaz de apenas ajudar às pessoas a viver fantasias e a sentir novas necessidades. Todavia, não é o que o povo quer? Não se pode generalizar.
Durante o trajeto de carro para a empresa, passando pela escola de educação infantil, essa discussão prosseguiu. Carlos achava tudo inútil, babaquice, coisa de intelectual, ou pior, de gente de escritório, cujo suor do trabalho sempre desconheceu, mas agradava à esposa, uma garota jovem, meiga, a qual recém tinha conseguido um diploma em história, porém relutava a ser professora e continuava como chefe de setor da merda de uma linha de produção!
Chegando à empresa, Jéssica e Carlos estavam mais de vinte minutos atrasados. Os portões de entrada tinham sido fechados haviam cerca de quinze minutos, dificultando o acesso ao interior do complexo. O casal, por isso, teria de discutir com os guardas ou esperar a manhã passar e entrar depois do intervalo, conforme ordenava o regimento interno. A empresa, renomada na fabricação de calçados femininos, demonstrava-se inflexível e, por isso, mantinha contratada uma empresa de segurança fiel religiosamente às leis, regras, normas, instituições e o que mais convier para organizar, disciplinalizar e colocar nas queridas estruturas os fiéis “colaboradores.”
Jéssica antecipou-se ao desembarcar do carro para tratar com os guardas, pois ela temia que irritado, devido ao trânsito caótico da cidade seu marido irracional1 arranjasse confusão e fosse despedido. Isso já tinha acontecido uma vez e o gerente prometeu despedi-lo na próxima. Um homem gordo, calvo, sisudo e de uniforme cinza com um pequeno escudo inscrito “segurança” na altura do peitoral direito surgiu na guarita.
  • Bom dia! Meu marido e eu estamos atrasados por causa do trânsito, você poderia abrir podermos trabalhar?
  • Sinto muito, mas isto não é possível. Deveriam ter saido mais cedo de casa.
  • Mas, nós saimos. - Murmurou Jéssica, lembrando-se que Carlos insistiu para ficar mais alguns minutos na cama. Sentiu naquele momento raiva dele, mas repensou a situação e concluiu que ele não era culpado. Tinham saido na mesma hora várias vezes anteriormente e nunca se atrasaram, porém nos dias passados não houveram temporais alagando a cidade, enquanto dirigiam para o trabalho. Nesse instante, o céu estava límpido, o concreto da calçada e o asfalto da rua começaram a refletir a luz solar, cuja intensidade fazia brilhar milhões de pontinhos da superfície.
Jéssica procurou manter-se calma. Era a primeira vez que lhe acontecia esse tipo de situação. Enquanto isso, Carlos esperava impaciente no carro o retorno dela. Suas mãos sobre o veículo tremiam. Ela redarguiu:
  • Olha, nós saimos cedo de casa, mas o temporal piorou as condições de trânsito.
  • Eu entendo, mas...
  • Você não é meu chefe e não tem fundamento para dizer que devia ter saido mais cedo de casa!
Jéssica resolveu descontar a sua raiva contra um guarda que praticamente desempenhava eficientemente o seu trabalho e não toleraria nenhuma exceção.
A cena foi cômica. Ele subitamente tremeu, rasgou uma folha de sua caderneta de anotações, derrubou sua caneta ao chão e, quando foi tirar o telefone do gancho, bateu-o na lateral do suporte. Nesse momento, Carlos havia deixado o automóvel e se aproximado da guarita.
  • Querida, acalme-se, não vamos fazer escândalo.
Jéssica estava vermelha.
  • Claro.
  • Eu vou ligar para o gerente.
  • Não precisa, estamos indo embora.
Indo abraçados para o carro, Carlos murmurou:
- E eu que discutiria com os guardas.
- O que vamos fazer?
- Vamos para casa.
- Mas?
- Confie em mim, é o que eles querem.
Jéssica encostou sua cabeça no ombro de Carlos, enquanto engatavam os cintos. Seus lisos cabelos loiros roçaram sobre o ombro dele. Ela estava chateada, temia que ambos perdessem o emprego e, todavia, sentia que ele havia evitado uma confusão maior. Claro! Se o gerente aparecesse... ele é fanático por ordem, disciplina e inflexibilidade. Considerava a empresa como “a grande família” e sempre cuidava para que sua estrutura não falhasse. Só zelava pelo bem dos funcionários, essa chamada família, quando a lei mandava, porém exigia que essas medidas refletissem em produção, qualidade do produto finalizado e não no bem estar individual. Esses pensamentos ocorreram na mente dela até chegar ao apartamento do subúrbio da cidade, num prédio ambíguo a uma favela, cujas cenas de crianças andando armaadas pelas ruas, transportando crack ou maconha até os merdas que desejavam comprar para cheirar eram visíveis da varanda.
Da garagem ao quinto andar, havia silêncio. Saindo do elevador, Jéssica e Carlos depararam-se com o corredor vazio. Sua iluminação só se ativou com a presença deles. Dentro do apartamento, ela jogou sua bolsa no sofá e ele se dirigiu à cozinha.
- Eu vou ver o que faremos para o almoço.
- Claro.
Jéssica sentou-se ao sofá para continuar a ler um livro a partir de uma página marcada.
- Certamente, seu lugar não é lá conosco.
Jé sorriu. Ela compreendia que Carlos orgulhava-se de sua mulher. O diploma havia sido conquistado com muito esforço e sacrifício, mas a promoção também, por isso a relutância de deixar a empresa. Contudo, dentro disso nutria um desejo maior: ajudar a conseguir um ambiente de bem estar no trabalho aos seus subordinados que executavam todas as tarefas especializadas sobre sua orientação. Mas como? Carlos era membro do Sindicato, o qual, infelizmente, permanecia mancumunado com a empresa e satisfazia os desejos dos gestores dela. Típico de qualquer sindicato.
- Hum, acha que eles irão ligar? - Perguntou Jéssica quando viu Carlos retornando da cozinha com duas xícaras de café.
- O que você acha?
- Pensei que se preocupassem conosco. Ah, obrigada.
- Não percebeu? Nem você é significante.
- O Sindicato não pode fazer nada?
- Não.
- O café está excelente.
- Obrigado.
- Eu ficarei no quarto um pouco.
- Quem poderá estar no Face a esta hora?
- Sempre tem alguém.
Sorridente e com a xícara de café na mão, Jé ergueu-se, andou para o quarto, enquanto carlos ficou olhando-a caminhar e, consequentemente, sentindo uma atração imensa toda vez que fitava a bunda dela, porém, de resposta, ele recebeu um olhar reprovador. Ela riu, entrou, viu a cama desarrumada, uma cueca embaixo, roupas amontoadas sobre uma poltrona deixadas para passar a ferro, caminhou até a escrivaninha, sentou-se, ligou o computador, esperou cinco longos minutos ao windows inicializar-se e mais três a conexão de Internet terminar de se estabelecer. Enquanto esperava, ela preferiu acessar o Face pelo smartphone, viu os recados, os posts, algumas fotos da última bebedeira com os colegas de sua casta na empresa, de “quem pegou quem” e desconectou-se. A Área de Trabalho do Windows em seu computador pessoal e a conexão com a Internet estavam preparadas para uso. Então, Jéssica pos sua mão sobre o mouse, conduziu o cursor até o Google Chrone, clicou duas vezes, a janela do navegador abriu carregando a página do Google, ela localizou sua lista de “favoritos da web”, clicou sobre o endereço do Facebook e depois de a página carregar fez login.
Jé sentiu satisfação ao contemplar sua página e ver que ela estava lá com seu layout branco, ícones de aplicativos, jogos, grupos etc à esquerda e sugestões de amizade e propagandas à direita, ordenados de forma vertical. Na aba superior, à esquerda sobre a faixa azul, os ícones informando haver pedidos de adição de novos contatos, notificações gerais e recados iluminavam-se com sinais numéricos avermelhados. Cinco, noventa e seis e dezesseis. A maior parte de tudo isso não passava de inutilidades: spams, vírus, propagandas postadas por contatos correntes e convites para jogos on-line. Olhar para esse panótipo irritava-a, aumentando o seu desejo de abandonar a rede social, composta na maioria de gente sem bom senso, porém não fazia por causa do vício inebriante e da falta de condições neuroniais para implementar decisões.
Por cinco minutos, Jéssica navegou imersa na inutilidade das postagens de seus novecentos e oitenta e seis contatos, excetuando as fotos das amigas de vestidos justos, brilhantes, shorts curtos e barriga de fora, mostrando piercing no umbigo e copos emborcados de cerveja na balada noturna, as quais lhes fazia surgir o sentimento de nostalgia, pois ela havia vivenciado aqueles aspectos antes de namorar, ir morar com Carlos, concluir a faculdade e ter dois filhos. De repente, observando a lista de notificações, encontrou um convite para um grupo de discussão e um evento chamados: o dia de parar as fábricas do mundo. Aceitou risonha a ambos os convites, sem refletir muito, pois ao navegar na web isso comumente não se faz, segue-se apenas gestos, tendências,modismos, sensações etc.2 Depois de aceitar aos convites, Jéssica conheceu o perfil do grupo, a proposta de discussão e do evento. Imersa no ambiente virtual, ela não se lembrou de controlar o tempo de uso do computdor. Era meio dia. O cheiro de comida e os gritos de crianças da cozinha despertaram-na. Nesse instante, Carlos entrou:
- Querida vem almoçar. Eu pedi à Mari do andar superior para pegar as crianças na escola e fiz algo especial pra gente. Vem.
- Nossa, deve ser algo delicioso com esse cheiro!
- Vem.
-Tah, depois quero te mostrar algo e quem sabe planejar uma greve sem depender da assembleia sindical submissa.
- Estou curioso, mas por que agora?
- Cansei dos abusos, do autoritarismo, de regras muito controladoras e de ver os operários quase se matando de tanto trabalhar em nome da tendência da próxima estação sem o merecido retorno. Quero fazer algo que acabe com isso.
- O que você anda lendo ultimamente? O Manifesto Comunista de novo!
- Você deveria lê-lo algum dia. Nossa! Que mesa linda!
Carlos puxou a cadeira da ponta. Jéssica acomodou-se depois de beijar seu filho de cinco e sua filha de três anos, a qual estava sentada em uma cadeira apropriada para as refeições infantis. Os olhos dela brilhavam. Ela sorria de encanto e alegria. Tinha ficado consciente de que o incidente da manhã deu-lhes a oportunidade de reunir a família, algo raro, de brincar com os filhos, falar com eles, dar carinho e namorar.
O almoço foi divertido na companhia das crianças para Jéssica e Carlos. A inteligência delas surpreendia-os cada vez mais. Elas demonstravam muita curiosidade. Guilherme, o filho mais velho, perguntoou por que a mamãe e o papai não foram trabalhar naquela manhã, e, considerando esse fato, se não poderia faltar a escola também, já que eles descumpriam o dever de trabalhar, então ele poderia fazer o mesmo quanto ao estudo. Foi difícil convencê-lo, mas graças a isso ela o questionou:
- O que você aprendeu ontem na escola?
- Dinossauros!
- Hum, o que mais?
- Eles eram... uns lagartos grandes, andavam por... toda terra, mas morreram. - Explicou com dificuldades Guilherme.
- Por quê?
- Um meteoro matou eles!
- Nossa, quanta você aprendeu! -Disse orgulhosa Jéssica.
- Vamos passear no parque depois?
- Vamos! - Respondeu a filha Eduarda, erguendo os braços para que a mãe pegasse-a no colo.
O ar, embora poluído, o cheiro das flores, o vento balançando as árvores, os bebês nos carrinhos e as crianças assistidas pelos pais brincando na pracinha, enquanto outras apreciavam os peixes no chafariz e perseguiam os passarinhos tornaram a tarde agradável a uma família jovem, cujo tempo de convivência com os filhos e de ócio era reduzido, por causa das horas extras, das respondabilidades com a casa, dos estudos, das preocupações e do cansaço.
Enquanto balançavam as crianças no balanço da pracinha, Carlos demonstrou certa curiosidade a respeito da possibilidade de começar uma greve independente dos sindicatos. A ideia parecia fantástica demais, utópica para a compreensão dele, um homem que nunca se importou com o estudo e aprendeu durante a vida a importância do que tinha negado.
- Você me falou de uma greve independente do Sindicato.
- Sim. Podemos usar o Face para programá-la. Os funcionários possuem perfis e os que não possuem poderão usar os dos filhos para se informar, problematizar, discutir e implementar as ações. O grupo que contatei, o qual planeja uma greve nacional em parceria com outros no exterior já marcaram uma data.
- Isso é loucura! Tem gente lá que não aceitará, porque se preocupam em não receber para comprar comida aos filhos, pagar aluguel, luz, água, gás e outras contas. Você sabe que o que nos pagam é uma bosta, mas ficamos na fábrica porque é o que sabemos fazer e se pedíssemos as contas o risco de não conseguirmos nada lá fora é grande.
- Querido, eu sei. Isso é triste. As fábricas deveriam ser apenas locais de transição. Poxa! Nos últimos quatrocentos anos conseguimos tantos conhecimentos e eles, em geral, só serviram para estabelecer novas maneiras de dominação e aumentar a população submissa. Os espertos em economia, finanças etc tornaram-se seus Senhores. Eles consideram a maioria incompetentes, mas ambiguamente precisam dela como operários. Os americanos chamam estes indivíduos de perdedores. É o que apregoa o velho e o neo-liberalismo.
- E há aqueles de nós que se vende a essa gente.
- Eu fui uma, acho!
- E eu nunca pensei que uma mulher linda, inteligente, sempre vestindo roupas da moda e ganhando fosse se interessar por um...
- Grosseirão como você?! Bem, a Biologia explica que o seu cheiro me atraiu. Chama-se seleção natural!
- Legal, Deus me abeçoou!
- Para, nós perdemos o foco da conversa! - Exclamou risonha Jéssica, pois ela escutou uma resposta dada de forma cômica.
Carlos observou a hora em seu relógio de pulso:
- É, está tarde, por isso vamos levar as crianças para casa e tentar executar essa ideia fantástica.
Ele admirou a proposta, mas somente por causa da chance de dar uma grande dor de cabeça á gerência da empresa. Planejar a greve pela Internet através do Face pareceu uma ideia inteligente, pois a coordenação e a execução poderiam ser realizadas por todos. Ademais, como a rede não é hirerárquica, mas rizomática e descentralizada o líder mais atuante ou que causou o estopim do movimento dificilmente seria identificado para que o Estado pudesse caçá-lo, principalmente o Estado brasileiro, cujas merdas das autoridades, mantendo um padrão autoritário vigente desde 1822, mandam seus subordinados às ruas, onde eles, influenciados pela cultura de impor a lei e a ordem de forma autoritária, batem nos manifestantes.3
Jéssica apresentou a ele o grupo que conheceu no Face. Ela argumentou a favor da proposta dizendo que os operários encontravam-se desanimados, entendiados e cansados.
- Uma greve os deixará mais tensos.
- A proposta do grupo é fantasiosa, mas a maioria de suas tem aplicabilidade.
- Voltar a produzir para si mesmo e, assim, não passar fome?
- Isso não é realizável, mas convencer quem controla a economia sim, pois nós controlamos a produção.
- Sim e, por isso, parando a produção mundial a economia para. Mas, e se pararmos e nos despedir.
- Dificilmente identificarão o líder pela Internet e se despedirem os novecentos e noventa operários não poderão contratar a quantidade necessária para o outro dia.
- Vou conversar com algumas pessoas e ver se podemos fazer isso sob os olhos do Sindicato. A parada será em 01 de maio.
- Hum, daqui um mês e meio. O Sindicato falou em paralisação nesse dia, mas poucas pessoas aderem.
- Eles aderirão, pois não haverá energia elétrica nesse país. Terá uma interrupção e isso é certo, pois confirmei com pessoas sérias e de confiança. (Substituir ao publicar para:)4
- Então, vamos à luta!
Jéssica havia percebido ter na web a única esperança a fim de lutar contra os opressores capitalistas de forma a atingir a opinião pública e estabelecer um debate.
No outro dia. Cinco da manhã. Carlos acordou antes dela. Ele pareceu animado. Preparou o café, acordou e arrumou as crianças, chamou a mulher e sairam. Chegaram à empresa quinze minutos antes de passar o cartão-ponto.
Haviam duas filas. Todas as pessoas tinham semblantes sonolentos e andavam devagar, talvez contra a vontade, diferente dos horários de almoço e de saída, além, claro, do seleto grupo de quem manda, com indivíduos sempre sorridente se risonhos, pois decerto o dinheiro ganho fazia-lhes muito bem. Dentro da empresa, o gerente e o supervisor exigiram explicações para a ausência do casal, porém elas não os convenceram.
- Vocês deveriam ter entrado depois do intervalo. A proibição de não poder entrar antes é disciplinar e inquestionável, pois estão garantindo nossos bons resultados. - Disse o gerente Pedro.
- Jéssica, sua ausência causou problemas na produtividade e na organização da produção. A meta diária não foi atingida. Você sabe que isso representa um menor rendimento mensal e a Daffiti pegando em nosso pé, porque demoramos para entregar os seus modelos de sapatos. - Disse asperamente o supervisor Adriano.
Pela primeira vez, ela pouco se importou com os sermões, pois foi mais importante passar a tarde com a família. Carlos, dessa vez, conseguiu ignorar os xingamentos e as grosserias de Diego. Como pode um chefe estudado, assim como a Jéssica ser tão autoritário e nojento? Bem, pensou Carlos, o mês passa rápido e o chefinho almofadinha, puxador de saco da gerência, rezaria para o retorno dos funcionários do setor e, até mesmo, dele.
A proposta foi feita no intervalo e por dias o casal explicou as motivações, os detalhes e as estratégias da greve, semelhante a uma resistência pacífica. Alguns se demonstraram contrários, pois receberiam pouco, poderiam perder o emprego e o movimento considerado ilegítimo, ilegal, já que aparentemente não existiria representação sindical. No entanto, o último argumento era infundado. Carlos era membro do Sindicato e o único que demonstrava vontade de agir em nome do proletariado. Seus argumentos conseguiram convencer no decorrer da semana os colegas mais próximos, depois os operários em geral e dois representantes sindicais, os quais informaram que a entidade estava desistindo da paralisação após conversas a portas fechadas com a gerência. Ainda na mesma semana, Jéssica e Carlos entregaram de casa em casa panfletos com instruções sobre o movimento. Eles evitaram fazer isso dentro da empresa, pois temiam a possibilidade de conflitos com a gerência e os camaleões do Sindicato.
Nesses dias, ela parecia uma daquelas universitárias líderes de movimentos estudantis que elaborava cartazes, pintava a cara e ia para as ruas, batendo panelas, gritando e conduzindo uma multidão por alguma necessidade justa, embora nunca houvesse participado de movimentos estudantis, pois o seu foco era estudo, trabalho e, pouco antes da formatura, o Guilherme.
- Acha que todos conseguirão acumular alimentos para uma longa parada?
Carlos ficou temeroso, com dúvidas e Jéssica hesitante para responder, por isso ele disse:
- Vocês intelectuais são tão idealistas que se esquecem das limitações da realidade dos funcionários da produção.
- Querido todos garantiram conseguir.
- Lembra que a gerência fará a gente ir ao limite. Aquela gente acha que quando a comida acabar voltaremos ao trabalho. Isso é bem possível.
- Se não fizermos isso não acabaremos com as regras autoritárias deles e lembre-se que o Sindicato apoia-as. Sacrifícios...
- Sim, meu anjo, eles são necessários.
Os dias, as semanas e o mês passaram. O evento da greve continuava a ser divulgado pelo Face través de um novo perfil de usuário, criado a fim de divulgar o movimento, instruir operários, debater e coordenar as ações. Graças aos filhos, aqueles aderiam ao movimento, informavam-se e debatiam as futuras ações.
Na empresa, quando o setor administrativo descobriu, o gerente e o dono da fábrica, um baixinho gordo, sempre de paletó e gravata, mesmo no verão, bufaram de raiva! Eles chamaram o presidente do sindicato para uma conversa, mas o barrigudo quase nada pode responder, excetuando a informação de que Carlos tentava organizar a greve de maio. Ele foi chamado e como forma de mostrar aos outros operários o que acontece a quem incita à greve: despedido.
- Acha que assim você coloca medo nas pessoas?
- Apareça amanhã para acertar e pegar suas coisas. Estamos com problemas de finanças e, por isso, começamos um programa de demissões. Espero que um dia você volte. - Disse dissimuladamente o gerente e Carlos silenciosamente saiu pensativo:
- Tão conveniente e pode abalar o movimento.
Para Jéssica aquilo foi a gota d'água.
- Não há nenhum programa de demissão. Eles nos informam nas reuniões. Eu saberia de antemão. Canalhas!
- Não podemos fazer nada, apenas cuidar para o nosso plano dar certo.
- Claro, querido.
- Ah, pega as crianças na escola?
- Sim.
Carlos beijou-a despendindo-se e saiu do quintal da fábrica, passou pela área de carga/descarga, onde uma carreta esperava para o carregamento, enquanto outra estava apenas parada, paralelamente com as grades que separam o prédio da rua, entrou na área de entrada/saída, olhou a alguns colegas apreciando o intervalo sentados nos bancos, passou pela guarita, gesticulou um cumprimento aos dois vigias de serviço e atingiu a rua. Ele ergueu a sua cabeça ao céu. Andou cinco minutos. Chuva. Lá, molhado, teve de competir com uma pequena multidão para embarcar no ônibus. Utilizou-se de três e, enxarcado, chegou em casa duas horas e meio depois, cansado e desejando apenas a cama. Dormiu toda a tarde e só acordou quando escutou o barrulho das crianças correndo pela sala e Jéssica tentando acalmá-las.
- Parem com isso! Vocês vão ir já pro banho!
- Jé?
- Oi, como você está? - Perhuntou ela, indo de encontro para abraçá-lo.
- Eu não me lembrava que era tão demorado para chegar em casa de ônibus, quando cheguei adormeci e não peguei as crianças na escola.
- Já tomou banho?
- Não.
- E foi deitar em nossa cama assim?!
- Pensei se poderíamos tomar banho juntos depois.
- Tah, vamos agora e você me ajuda a dar banho nas crianças. - Respondeu risonha Jéssica, empurrando-o para trás e vendo graça na expressão de desgosto de Carlos.
Nesse instante, ela concluiu que Carlos reagia bem à perda do emprego. Ele estava ciente da grande oferta de trabalho existente na cidade e, por isso, logo voltaria a trabalhar em outro lugar. Manualmente, era habilidoso. Portanto, outras fábricas poderiam acolhê-lo. Procuraria um trabalho novo depois de 01 de maio que seria no dia seguinte.
- Lembre-se de amanhã.
- Merda, esqueci!
O feriado veio. O evento da greve conseguiu através do Face mais adeptos do que se esperava, inclusive de operários de outras empresas. Todos demonstravam querer uma mudança e o abandono do modelo empresarial hierárquico, autoritário e velho, o qual garantia a subordinação total deles aos empresários e suas hordas de seguidores.
Havia um sentimento comum, todavia Carlos e Jéssica começaram a duvidar se esse debate, iniciado fazia mais de um mês desencadearia a grande paralisação proposta pela rede social. Teoricamente, sim, mas na prática não daria para saber, pois o evento é aleatório, totalmente dependente de ações individuais imprevisíveis.
- Acho que estou arrependido.
- Pense no lado bom, fomos pioneiros e se amanhã não houver ninguém lá?
- Teremos descoberto uma nova estratégia de greve trabalhista.
- Só por isso já valerá o esforço.
- Tomara.
Carlos fechou os olhos. Jéssica abraçou-se nele e dormiram. Cinco da manhã. O relógio despertou. Apenas ela acordou. Os anjinhos poderiam acordar mais tarde. Carlos levaria-os à escola.
- Estou indo, tenha um bom dia! - Sussurou Jéssica no ouvido de Carlos e depois de um beijo deixou o apartamento, desceu á garagem, embarcou no automóvel e dirigiu à empresa, sem encontrar trânsito intenso pelo caminho. Ela notou haver quase ninguém nas paradas, os ônibus urbanos vazios, poucas pessoas caminhando nas ruas, o silêncio e o ar fresco.
Na empresa, os operários ainda não haviam chegado, nem os chefes da produção, o supervisor e menos ainda o gerente. Jéssica chegou cedo. Os vigias permitiram que entrasse. Dentro, ela esperou. Os chefes de outros setores chegaram, depois Diego e às oito da manhã Pedro. As máquinas, esteiras, prensas e máquinas de corte, foram acionadas, mas nenhum operário apareceu para trabalhar. O gerente ficou perplexo. Chamou a todos a uma reunião informal.
- Pesssoal, eu não compreendo o que está acontecendo. O Sindicato garantiu não haver greve! - Pedro demonstrou perplexidade.
- Passaram a perna na gente! - Disse indignado Diego.
- Acho que vocês precisam estar cientes de um movimento grevista iniciado através da Internet. Ele deve ter abarcado nossos funcionários. Talvez tenhamos de começar a pensar em negociar.
- Absurdo!
- Um absurdo com reivindicações que estão comigo.
- É ilegal.
- Não, é apenas uma nova maneira de mostrar descontentamento.
Jéssica entregou uma folha com as reivindicações, deixou as instruções de como negociar e voltou ao apartamento. Carlos, sorridente, recebeu-a na portaria do prédio. Ela o abraçou fortemente. Estava excitada. A fábrica e outras indústrias pararam. Um prejuízo enorme aos empresários capitalistas que descobriram precisar reconhecer as reivindicações de seus operários, ter argumentos fundamentados e saber ceder quando não devem/podem contrariar.
- O gerente já disse que as punições por atraso serão extintas, mas quanto às outras reivindicações...
- Vamos com calma minha querida.
- Pode conseguir seu emprego de volta.
- Hum, não tenho mais interesse nele.
Eles subiram ao apartamento satisfeitos com a organização do movimento, o qual agora se regularia segundo o interesse da inteligência coletiva formada.

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domingo, 16 de fevereiro de 2014

Lembranças ao voltar para casa

Autor: Itacir José Santim
O ônibus vindo de Porto Alegre parou ao lado da rodoviária situada na avenida principal de Muçum, pois não há box e nem espaço para um, o que causa transtornos ao transito de carros. Regina desembarcou tranquilamente e sorriu contente ao ver uma velha amiga lhe esperando. Elas se abraçaram. Depois de cinco anos morando na capital, tendo concluindo com honras a graduação em História, voltava para casa a fim de assumir o cargo de professora na escola em que tinha estudado. Da praça, a música atraiu as garotas.
A praça estava repleta de barracas e um grande palco havia sido montado sobre o “lonão” da avenida principal. Acontecia a Semana Farroupilha, maior evento tradicionalista da região. Mulheres de vestido de prensa e homens de pilcha dançavam um fandango naquele instante, enquanto um público atento assistia. Pelo acampamento, muitas rodas de chimarrão tinham se constituído e de mãos a cuia passava. Regina, ao ver tudo, demonstrava seu encanto através de risos e palavras denotando saudades.
-Gostaria de vir de noite e rever os outros também.
-Vamos marcar.
À noite, as garotas reviram os velhos amigos e divertiram-se. Elas conheceram alguns rapazes que demonstraram estar afins, mas Regina manteve-se indiferente. Uma triste lembrança surgiu em sua mente. Ícaro. Lembrava-se vagamente, pois, por algum motivo, essa memória foi suprimida. Conheceu-o fez dez anos no mesmo evento.
-Aline, eu vou embora.
-Por quê?
-Não me sentindo bem e amanhã tenho de trabalhar.
-Entendo. Tenha uma boa noite.
...
O primeiro dia de aula. Regina foi bem acolhida, conheceu o Projeto Político Pedagógico e ouviu da sua colega e ex-professora Mariane de História as atividades realizadas até aqueles dias. Isso devia passar segurança, mas não aconteceu. Sozinhas, antes da primeira aula, elas conversaram. Mariane quis demonstrou preocupação:
-O que passa nessa sua cabecinha, Re?
-Lembrei-me do Ícaro e de tudo que aconteceu. Talvez fosse melhor não ter voltado. Sinto-me com medo.
-Aqueles dias passaram e não há mais nada com que se preocupar, a não ser com suas turmas. Você gostava dele, foi bom, mas em nossas vidas as pessoas são passageiras. Quiçá você não conheça alguém tão incrível amanhã?
A sirene soou. Lá, na primeira sala de aula do primeiro prédio, ela estava estática, com medo de abrir a porta e enfrentar o outro lado. Alunos cheios de energia loucos para aprender e outros teimosos, resistentes, esperavam-na. Ela fechou os olhos e pensou estar indo para outro lugar, até que a professora Mariane tocou-a e fê-la voltar à consciência.
-Entre. -Disse a professora Mariane.
Os alunos demonstraram boa receptividade. Regina inovava nas aulas com suas ideias e instigava a curiosidade neles. Passaram dias, semanas e meses. Ela se habituou ao trabalho, apaixonou-se pela profissão e começou a sentir segura. Uma ilusão para outra história não contada.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A Era da Astronáutica: Breve História da Corrida Espacial

Autores: Letícia Bresolin; Itacir José Santim
Introdução
A corrida espacial foi uma competição entre Estados Unidos e a União Soviética para o desenvolvimento da tecnologia de exploração espacial que aconteceu durante todo o período da guerra fria. Isso foi uma consequência da corrida armamentista iniciada no final da década de 1940 pelos norte americanos com a finalidade de assustar e deter a expansão soviética. Eles saíram na frente no desenvolvimento das armas nucleares, mas não no setor espacial, onde no final da década de 1950 a potência socialista demonstrou ter maiores vantagens quando conseguiu lançar o primeiro satélite artificial, o Sputnik I, e posteriormente a primeira cosmonave tripulada, a Vostok I comandada pelo Major Yuri Gagarin. Irônico. Uma tecnologia usada inicialmente para matar como os foguetes alemães V-2 que atingiram Londres em 1944 transformou-se no instrumento que realizou o sonhos da viagem espacial, descrito por escritores como Júlio Verne, autor de Da Terra à Lua, e até de astrônomos como Johannes Kepler que em 1634 publicou Sonho, primeira obra que relatou uma viagem à lua Este trabalho deverá fazer um breve resumo dessa competição que terminou com a rotinização das viagens espaciais, os satélites artificiais que transformaram a pesquisa espacial e as comunicações, a exploração da lua, dos planetas e as estações orbitais. Nesse texto também será possível perceber que a história da astronáutica não está somente ligada à guerra, mas a uma busca de ampliar o conhecimento humano sobre o universo. Boa leitura.

Von Braun, O pai da astronáutica alemã
Em 23 de Março de 1912, na cidade de Wirsitz, na Alemanha, nascia Wernher Magnus Maximilian Von Braun. Muito cedo ele demonstrou interesse pela ciência, música, e também as obras de Júlio Verne. Conta à lenda que, quando criança, ele construiu um "foguete" usando buscapés; seu "veículo espacial" interrompeu o voo no meio da sala de estar da casa, chegando a provocar um incêndio.
Em 1923, foi para a escola de Francês em Berlim, onde não demostrou ser brilhante em matemática, nem em física. Após 5 anos, seu pai Magnus Von Braun, transferiu-o para uma das instituições escolares Hermann Leitz, onde eram aplicavam novos métodos de educação. Concluiu o segundo grau em 1929. Um ano após entrou para a Universidade Técnica de Charlottenberg, ao mesmo tempo, fez estágio na usina de locomotivas Borsigwerke.
Após o encontro com fusólogos alemães, Von Braun apaixonou-se pelos foguetes e pelas viagens espaciais. Tornou-se membro da Sociedade para viagens espaciais e participou de experiências com foguete, junto a esse grupo de amadores, na Raketenflugplatz, em Berlim. No ano de 1931 estudou engenharia no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça. No ano seguinte retorna a Alemanha onde recebe o diploma de engenheiro, ele começou a trabalhar para o exército alemão fazendo pesquisas sobre foguetes. No mesmo ano, vem a obter uma bolsa do exército na Friedrichs-Wilhelms Universitat, que em 1934, obteve o doutorado em Física com uma tese teórico-prática sobre motores de foguete a combustível líquido.
Ele se dedicou a experiência com foguete no campo de artilharia de Kummersdorf, próximo de Berlim, fez parte de um grupo que se dedicou a desenvolver experiências iniciada naquela sociedade de amadores. O início foi decepcionante. Na noite de 21 de dezembro de 1932, um foguete que fora anteriormente um sucesso na Sociedade de viagens espaciais explodiu. Dornberger lhe aconselhou que se deveria tirar proveito dos próprios fracassos.
O primeiro foguete, um A 1, com 150Kg, tendo como combustível oxigênio líquido e etanol, conseguiu desenvolver um empuxo de 300 decanewtons. Em 1934, este míssil se transformou no A 2. Depois de 1935, Von Braun e a sua equipe de 25 especialistas experimentaram foguetes possantes, que chegaram a atingir de 1.000 a 1.500 decanewtons. (MOURÃO, 1999. p. 51)
As instalações de Kummersdorf acabaram ficando escassas para os ensaios dos foguetes. Procuraram um sítio numa região isolada, relativamente plana, para que pudesse se acompanhar os voos a grande distâncias e se que permitissem as decolagens e aterrissagens de aviões com motores de foguete, que era o grande interesse da Luftwaffe. Foi sugerido pela mãe de Von Braun um sítio que ficava próximo de sua cidade natal – Anklam – situava-se na embocadura do rio Peene, a cerca de 140 Km ao norte de Berlim, na ilha de Usedom, no Báltico, após uma visita de Dornberger, o local foi considerado perfeito e logo foi adquirido.
Em 1939, Adolf Hitler assistiu a experiências estáticas de motores de foguetes. Consciente da situação Dornberger compreendeu que tinha chegado a hora de conceber um foguete operacional, capaz de transportar cargas explosivas de uma tonelada a mais de 360Km de distância. (MOURÃO, 1999. p. 51)
Para isso era necessário um foguete que desenvolvesse um empuxo de 30.000 a 35.000 decanewtons. Este projeto, foi designado de A4, mais tarde viria a ser conhecido de V2. Foi lançado com sucesso o primeiro A4, no dia 3 de outubro de 1942. Foram necessários dois anos para que ele se se torna operacional.
Na pesquisa destes foguetes e de outro mísseis antiaéreos, como o Wasserfall, Von Braun trabalhou com uma equipe de 1.960 cientistas e engenheiros e 3.852 empregados. Uma missão com 600 bombardeiros da RAF 9Royal Air Force), na noite de 17 de agosto de 1943, sobre Peenemünde, provocou a morte de 800 pessoas do centro. (MOURÃO, 1999. p. 51)
Além desse contratempo outro viria a retardar ainda mais as pesquisas: no dia 15 de março de 1944, Von Braun veio a ser preso pela Gestapo por afirmar que o A4 poderia ser usado para seu velho: as viagens ao espaço. Ele deveria ter lhes dito que os A4 permitiriam que a Alemanha ganhasse a guerra. Após várias semanas de prisão em Stettin, ele foi liberado graças à intervenção do ministro dos Armamentos, Albert Speer, junto a Adolf Hitler, que só permitiu a sua liberação com a condição de que Von Braun permanecesse sob a observação de Dornberger, assim que retornasse às suas atividades em Peenemünde.
A última V2 foi lançada em 19 de fevereiro de 1945. Em fins deste mês Von Braun decidiu abandonar Peenemünde. Era impossível transferir o centro quer para o leste ou para oeste, pois de um lado avançavam os soviéticos e do outro os norte-americanos.” (MOURÃO, 1999. p. 51)
Em virtude de um braço quebrado, por um acidente automobilístico no mês de março, Von Braun passa quase todo o tempo em um hospital. A Guerra estava findando. No dia 2 de maio de 1945 com o seu irmão Magnus, diversos engenheiros e seu amigo, o general Dornberger, renderam-se à 44ª Divisão de Infantaria dos EUA.
Em dia 20 de setembro de 1945, Von Braun chegou a Fort Strong, em Boston, de onde partiu para o Fort Bliss, no Texas, onde permaneceu durante cinco anos. Em White Sands, nos desertos do Novo México, a 28 de junho de 1946, foi lançado o primeiro foguete V2, nos EUA. Os norte-americanos se contentavam em desenvolver uma versão aperfeiçoada do V2: o foguete Redstone. Neste período, em Fort Bliss, Von Braun redigiu seu primeiro livro – Projeto Marte – uma mistura de Ficção e realidade, cujo objetivo era divulgar o seu velho sonho da adolescência: uma viagem ao planeta Marte. Os alemães sentiam-se inúteis, pois acreditavam poder favorecer os EUA criando algo novo. Em 20 de agosto de 1953, o primeiro foguete Redstone foi lançado do Cabo Canaveral, na Flórida. (Mourão, 1999, p. 52)

No dia 15 de setembro no ano de 1954, Von Braun sujeitou-se ao coronel Holger N. Toftoy um relatório, no qual propõem-se o lançamento de um satélite de 2,3 Kg usando como primeiro estágio um foguete Redstone e diversos estágios superiores, provido por feixes de foguetes curtos de pólvora, que eram denominados Loki. Esse relatório serviu de base para um projeto Orbiter que foi desenvolvido em conjunto do Exército e da Marinha dos EUA. O projeto foi reprovado, pois o Vanguard foi o escolhido. Von Braun, seu irmão Magnus e outros quarenta colaboradores em 14 de Abril de 1955 receberam a nacionalidade norte-americana.
No período de 1974 a 1976, consagrou-se também ao organizar o National Space Institute. Nessa época, a sua saúde era fraca, em virtude da lenta evolução do cancêr que lhe consumia as forças. Em 31 de dezembro de 1976 deixou Fairchild. No início de 1977, o presidente Gerald Ford homenageou com a National Medal of Science. (Mourão, 1999, p. 53)
Além de se dedicar a pesquisas, também era um notável divulgador das ciências espaciais. Esses artigos foram reunidos posteriormente em um livro chamado Space Frontier.
Após um longo período doente, veio a falecer em 16 de junho de 1977, em Alexandria, Virgínia, EUA, sem que tivesse visto seu sonho de colocar um homem no Planeta Marte ser realizado.










Breve História da Astronáutica dos Estados Unidos
Os cientistas alemães quando aperfeiçoaram os foguetes V-2 durante a Segunda Guerra Mundial, não apenas inauguraram um tipo novo de arma de guerra, como também estavam criando um instrumento para a exploração humana da Lua e dos planetas do sistema solar.
Após o sucesso dos foguetes alemães na Segunda Guerra Mundial começou-se a promover programa basicamente militar até meados dos anos cinquenta.
Os EUA utilizaram foguetes V-2 que foram capturados na Alemanha para executarem seu primitivo programa de pesquisa espacial, levando instrumentos científicos para as camadas superficiais da atmosfera. Ele se tornou instável e acabavam caindo quando o motor parava de funcionar, isso limitava o volume de dados transmitidos pelo rádio para a Terra. Imediatamente ficou claro que necessitava aperfeiçoar novos foguetes concebidos especialmente para sondar as altas camadas da atmosfera e o espaço cósmico. Aliás, o estoque de V-2 terminou logo.
Surgiu o “Aerobee” (Abelha Voadora), um míssil com dois estágios que era capaz de levar algumas dezenas de quilos de instrumentos, acima de 150 KM de altitude. Esse foguete começou sua carreira em 1952.
Maior e mais poderoso que o “Aerobee” era o “Viking”, construído pela companhia Martin para o Laboratório de Pesquisas da Marinha. Naquela época as pesquisas espaciais eram executadas independentemente pelos cientistas da Marinha, do Exército e da Força Aérea. (TAYLOR, 1974, p. 80)

Um dos motivos para o atraso dos Estados Unidos na primeira etapa da corrida espacial é descrito abaixo:

Ao contrário da URSS, que precisava desenvolver mísseis balísticos de longo alcance para atingir o território dos EUA, estes últimos, por terem seus foguetes situados nas fronteiras europeias, se contentavam em aperfeiçoar mísseis de médio alcance. Essa foi a razão pela qual os primeiros lançadores dos satélites norte-americanos tiveram sua origem em mísseis de reduzido alcance. Por exemplo, como consequência do Míssil de Readstone da Marinha dos EUA surgiu o pequeno lançador de três estágios Vanguard, primeiro foguete usado para tentar uma satelização nos EUA, aliás sem sucesso. De fato, o primeiro satélite norte-americano seria colocado em órbita por um foguete Júpiter C do Exército dos EUA, em fevereiro de 1958. (MOURÂO, 1999, p. 63)

Havia concorrência entre Força a Aérea, o Exército e a Marinha com isso acabaram por desenvolver seus próprios mísseis de maneira independente, com isso fez com que houvesse grande número de mísseis disponíveis para as aplicações espaciais.
Apesar de alguns aperfeiçoamentos, o Vanguard permaneceu com sua capacidade de satelização tão fraca que acabou por ser abandonado. Foi substituído pelo Scout, desenvolvido a partir de meados de 1958 pela empresa Vought Corporation, num contrato conjunto da NASA e do Ministério de Defesa, que fora escolhido para produzir um lançador com base nos elementos já existentes. (MOURÃO, 1999. p. 63)

O aumento da capacidade de alcance dos foguetes soviéticos estimulou o governo dos EUA a fixar em dois anos os seus objetivos em matéria de mísseis. Eles visavam desenvolver mísseis de 2.400Km de alcance, como o IRBM – Itermediate Range Ballistic Missille (Míssil Balístico de Alcance Médio), e os mísseis de 6.000Km de alcance, o ICBM – Intercontinental Ballistic Missile (Míssil Balístico Intercontinental), como os Minuteman dos EUA e os SS-16 da URSS, todos de combustíveis sólidos. No primeiro grupo, o Exército desenvolveu o Júpiter; a Marinha, o Polaris, de cobustível sólido (pólvora); e a Força Aérea, o Thor. O primeiro e o terceiro, que tinham como particularidade o emprego do mesmo motor Rocketdyne de combustível Líquido (oxigênio líquido e querosene), de 71.170 decanewtons de empuxo, apresentaram grande sucesso com alguns meses de intervalo em 1957. O Júpiter, construído pela Chrysler, teve uma vida efêmera, ao contrário do Thor, da Douglas, base de uma numerosa família de lançadores Thor-Delta que, com o tempo, passaram a ser designados simplesmente Delta, depois de mais de 35 anos de seu primeiro voo, sofreu uma notável evolução, sendo até hoje utilizada para lançamentos de satélites. O segundo grupo – os mísseis intercontinentais de longo alcance – deu origem a vários lançadores: o Atlas, da Convair, míssil monoestágio de combustível líquido (oxigênio líquido e querosene), cuja particularidade é a de abandonar em voo os motores principais que lhe permitiam decolar. Concebido comestruturas metálicas muito leves, o Atlas pode, sozinho, colocar em órbita baixa uma carga de 1,5 tonelada. Um outro tipo de míssil intercontinental é o Titan, criado pela Martin Marietta para a Força Aérea, e constituído por um foguete de dois estágios, empregado como combustível líquido o peróxido de nitrogênio. O primeiro voo, com sucesso, de um Atlas ocorreu em 1958, e o de um Titan, em 1959. Esses dois mísseis tiveram um grande desenvolvimento, tanto como lançadores espaciais quanto como mísseis balísticos.” (MOURÃO. 1999, p. 63-64)

O Atlas tornou-se o lançador da NASA em missões automáticas, com estágios superiores Agena de combutível líquido e o OV-1B que era a combustível sólido (pólvora). Apartir de 1963, com o estágio de oxigênio e hidrogênio ambos líquido, surgiu o Centaur, primeiro estágio a empregar esse conjunto de combustíveis. O Atlas possibilitou vários sucessos, como por exemplo o primeiro voo orbital norte-americano tripulado.
Houve apenas uma única família de lançadores que foi de origem puramente civil essa foi a série Saturn. Na verdade, os primeiros estudos foram iniciados no grupo de estudo militar, que era dirigido por Von Braun, que visava o desenvolvimento do Saturno I.
No Natal de 1968, os tripulantes da Apollo 8 foram os primeiros a fazer uma viagem em torno da Lua. Porém, no ano seguinte, a expedição Apollo 11, resultado de um investimento no valor de 20 bilhões de dólares, fez pousar na Lua a primeira nave. New Astrong e Edwin Aldrin foram os primeiros homens a caminhar sobre o solo lunar.
Após 1969, depois do sucesso da missão Apollo a NASA, preocupada em realizar a lançadeira espacial, o Space Shuttle, abandonou-se os planos do Saturn, e dedicaram-se no desenvolvimento de um lançador com partes recuperáveis e um orbitador que se destacava desse lançador para entrar em órbita, que retorna depois à superfície terrestre para aterrissar como se fosse um avião. Esse foi o programa dos ônibus espacais que perdurou até 2012 e foi cancelado pelo Presidente Barack Obama.

Breve História da Astronáutica Russa
Tsiokolviski: O Homem que Compreendeu Júlio Verne
O grande avanço russo na astronáutica não foi necessariamente ao uso de foguetes alemães como o V-2, mas da contribuição de seus precursores na própria Rússia Czarista. Konstantin Eduardovich Tsiokolvski, nascido a 17 de setembro de 1857, na pequena cidade de Ijevskoie, no distrito de Spassk, durante o governo de Riazan. Filho de uma família pobre, cujo pai era guarda-florestal. Um fato curioso foi que aos dois anos ele contraiu escarlatina, ficando surdo, porém isso não o impediu de ser alfabetizado e aos oito anos aprendeu a ler e escrever e logo se apaixonou pela leitura, principalmente das obras do autor francês Júlio Verne que o fez se interessar pelos voos interplanetários. Aos quatorze anos começou a estudar matemática e física. Em 1873 tentou entrar para a Escola Técnica de Moscou, época estabelecimento de ensino superior, mas fracassou no vestibular e acabou permanecendo por três anos estudando como autodidata e frequentando as bibliotecas públicas. Estudou geometria analítica, trigonometria esférica, álgebra, cálculo integral e diferencial, mecânica e astronomia. Gastou tudo que seu pai mandava em livros e equipamentos para suas experiências, porém em 1876 teve de voltar a Viatka, onde passou a se sustentar dando aulas particulares. No ano de 1878, tornou-se mestre-escola em Boyovsk, província de Kaluga, onde passou a realizar suas experiências num laboratório construído em casa. Baseado nelas, redigiu memórias como A Teoria dos Gases e em seu artigo Espaço Livre de 1883 descreveu as condições de ausência de gravidade. Já em 1903 publicou a obra Exploração do Espaço com Reatores, na qual discutiu sobre o uso de foguetes para impulsionar naves interplanetárias, propondo o emprego de hidrogênio e oxigênio líquidos como combustíveis e deduziu como eles se deslocariam num espaço sem gravidade, além do seu rendimento e da influência da resistência do ar durante a trajetória. Não recebeu muita ajuda do governo antes da Revolução de 1917, mas com o regime soviético no poder sua atividade científica passou a ser mais apoiada e em 1919 foi eleito membro da Academia Soviética de Ciência. Entre 1925 a 1935, Tsiolkovski escreveu mais de sessenta trabalhos e estabeleceu o conceito de foguetes de múltiplos estágios, pelo qual afirmava não ser possível a um único escapar da gravidade da terra. Chamou isso de foguete-trem em 1929, quando analisou detalhadamente o funcionamento de um foguete de múltiplos estágios, mas não construiu nenhum modelo experimental. Infelizmente, seus trabalhos foram esquecidos e o desenvolvimento da astronáutica russa só começou depois da Seguda Guerra Mundial graças aos fusólogos Serguei Pavloviteh Korolev e Valentin Petrovitch-Glushko por motivos militares.

O Desenvolvimento Experimental da Astronáutica Russa
Os principais idealizadores da astronáutica na Rússia foram conterrâneos do próprio país e das Repúblicas Soviéticas, diferindo dos norte-americanos que dependeram de engenheiros alemães como Von Braun trazidos logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial.
Serguei Pavloviteh Korolev nascido na Ucrânia em 1906 começou a trabalhar na indústria aeronáutica em 1927. Ele estudou no Instituto Politécnico de Kiev e na Escola Superior Técnica de Moscou, onde obteve seu diploma de engenheiro na área em 1929. Aos dezoito anos construiu o seu primeiro planador, sendo o mais notável A Estrela Vermelha, usado para as mais espetaculares acrobacias e o SK-9 apresentado em 1935 e mais tarde dotado de um motor-foguete a combustível líquido. Familiarizou-se com os trabalhos de Tsiolkovski e desde 1930 consagrou-se como grande especialista em sua área quando se dedicou à construção de motores para caças e em 1940 construiu o primeiro planador-foguete mono tripulado RP-318-1. Durante os anos da Segunda Guerra Mundial esse engenheiro dedicou-se a aperfeiçoar aviões militares com motores-foguetes de combustível líquido. Já em 1946 o governo soviético encarregou-o de dirigir os trabalhos de desenvolvimento de foguetes balísticos de longo alcance que garantiram o surgimento em 1956 dos primeiros mísseis estratégicos e um ano depois do primeiro míssil balístico intercontinental capaz de carregar uma ogiva nuclear para qualquer ponto do planeta.
O surgimento dos mísseis balísticos intercontinentais possibilitaram a idealização do lançamento de um satélite artificial e de viagens espaciais tripuladas, as quais depois do Sputinik I Korolev passou a se dedicar. De 1949 a 1955 foguetes com cápsulas recuperáveis foram regularmente lançados e em alguns casos elas levaram animais a fim de compreender o comportamento de organismos biológicos em ambiente de gravidade nula e posteriormente aperfeiçoar a tecnologia que transportaria um cosmonauta soviético para a órbita terrestre. O nome desse engenheiro está associado aos principais eventos da cosmonáutica soviética até sua morte em 1966. Ele foi um dos responsáveis pelo satélite Sputnik I, primeiro satélite artificial da Terra (1957), as primeiras fotografias da face oculta da Lua (Lunik III, 1959), pela Vostok I, primeira nave tripulada por Yuri Gagarin (1961), a primeira cosmonauta Valentina Tereshkova na Vostok VI (1963), a primeira saída de um homem no espaço por Alexei Leonov (1965), o primeiro impacto interplanetário de uma sonda ocorrido em Vênus (1966) e a primeira alunissagem de sonda (Lunik IX, 1966). Seus estudos garantiram a construção das naves Vostok e Voskhod, além das sondas lançadas para a Lua, Vênus e Marte e as da série Electron, Molniya, Cosmos e Zond. Considerasse-o um dos fundadores do programa espacial soviético.
Outro grande contribuinte russo no campo experimental da cosmonáutica foi Valentin Petrovitch-Glushko nascido em Odessa em 1908. Seu interesse foi influenciado pela literatura de Júlio de Verne ainda na infância. Interessou-se pelos trabalhos de Tsiolkovski e construiu um laboratório de Química em casa para estudar a construção de foguetes. Tendo completado seus estudos na Universidade de Leningrado, passou a se preocupar com a ideia de desenvolver uma espaçonave movida a energia solar, a qual lhe garantiu uma monografia e o ingresso para o Laboratório de Dinâmica dos Gases, onde testou os primeiros foguetes de pólvora com pouca fumaça, os quais serviram de base para a construção dos foguetes Katyushas, atualmente muito usados por organizações terroristas a fim de atacar Israel.
Durante a guerra tanto Glushko quanto Korolev tiveram de usar seus talentos para o desenvolvimento de torpedos, aviões e mísseis de combustíveis líquido. O primeiro já havia testado outras alternativas energéticas com nitrogênio e querosene, por exemplo. Seus motores foram a base da aviação soviética. Após o fim do conflito, eles trabalharam num modo de compensar o enorme avanço da aviação estratégica dos Esados Unidos projetando e construindo novos tipos de mísseis. Então, em 1950 Korolev testou o primeiro míssil intercontinental soviético, o R-7 composto de dois estágios RD 107 e RD108, projetados por Glushko, considerado também um dos principais fundadores do programa espacial soviético. Petrovitch teve grande importância no lançamento do Sputnik, no voo da Vostok I, no projeto da lançadeira reutilizável Buran (versão soviética do Space Shuttle americano) e de seu transportador, o foguete Energia. Ele faleceu em 1989 aos oitenta anos.

O Sucesso Espacial da União Soviética
A Corrida Espacial formalmente começou em 1957 e a primeira vitória foi soviética. Naquela época, os Estados Unidos não tinham superioridades no campo dos foguetes, contentando-se a pedir à equipe de Von Braun fabricar versões melhoradas dos mísseis alemães V-2 que foram denominados de Redstone, pois não dependiam deles para transportar suas ogivas nucleares contra a União Soviética se fosse ordenado um ataque, já que além do monopólio nuclear possuíam bombardeiros gigantes baseados em vários locais da Europa que poderiam transportar as pesadas armas. Os soviéticos não dominavam totalmente a fabricação de aviões, então trilharam o caminho inverso com a fabricação de enormes foguetes de longo alcance para transportar suas pesadas bombas nucleares contra os Estados Unidos, pois não tinham descoberto ainda uma forma de miniaturizá-las. Isso garantiu inicialmente o predomínio soviético na parte fase da era da astronáutica com a adaptação do míssil intercontinental R-7 como lançador de satélite.
Então, no dia 04 de outubro de 1957 o mundo foi surpreendido quando a rádio de Moscou transmitiu o comunicado da Agência de Notícias TASS sobre o lançamento do primeiro satélite artificial do mundo, o Sputnik I, uma esfera metálica de 58 cm de diâmetro, 83 kg e 600 gramas, cuja órbita era realizada em 95 minutos. Seus dois transmissores tiveram potência suficiente para transmitir sinais em forma de mensagens telegráficas a cada três décimos de segundo, conforme noticiou o Estado de S. Paulo um dia depois do feito. Desse fato, deve-se destacar algo curioso: o pequeno objeto podia ser visto usando um pequeno binóculo de qualquer parte do Brasil e radioamadores poderiam escutá-lo. Um mês depois, a União Soviética laçou o Sputnik II com a cadelinha Kudriavka (Crespinha) da raça Laika a bordo de uma cabine pressurizada e demonstrando em pouco tempo ter conseguido multiplicar em seis vezes o peso de seus satélites. Outras cobaias foram usadas com a finalidade de aperfeiçoar a nave Vostok. Nesse momento surgiu a ideia de que os foguetes soviéticos eram superiores aos americanos que corriam para corrigir as falhas de seu foguete Júpiter C e lançar o primeiro satélite dos Estados Unidos com apoio de Von Braun que devia acontecer em 1958, mas em virtude de problemas com esse lançador foi atrasado.
O foguete R-7 inicialmente tinha sido projetado para transportar as bombas de hidrogênio contra os Estados Unidos. Ele possuía um elemento central cilíndrico e quatro foguetes cônicos laterais movidos a oxigênio líquido e querosene que eram ativados simultaneamente durante o lançamento. Cento e quarenta segundos depois, os impulsores laterais eram soltos e a parte central continuava sua trajetória até colocar em órbita o satélite. Tinha trinta metros de altura, 10,3 metros de base, pesava 300 toneladas e desenvolvia quinhentas toneladas de impulso. Com ele, até 1992 os russos realizaram mais de mil lançamentos, inclusive as Vostok e Voskhod.

A Odisseia Soviética ao Espaço
Tendo surpreendido com o lançamento do primeiro satélite artificial, a 12 de abril de 1961 a União Soviética lançou a cosmonave tripulada Vostok I sob o comando do major Yuri Alekesyevitch Gagarin. A viagem durou uma hora e quarenta e oito minutos provando ser possível ao homem resistir às acelerações, à falta de peso, à radiação cósmica e a outros perigos existentes no espaço. A espaçonave Vostok tinha menos de 3 metros de diãmetro, pesava cerca de 5200 kg e compunha-se de 3 módulos presos entre si. A cabine tripulada era uma esfera contendo um acento ejetável de jato, um painel de controle, o depósito de água, o sistema de calefação e o depósito de paraquedas. O veículo foi projetado para usar a parte mais pesada de sua estrutura contra a atmosfera durante o reingresso. A missão havia sido totalmente televisionada, incluindo imagens ao vivo da cabine foram feitas e o astronauta alimentou-se de pastilhas. Olhando para Terra, Yuri disse a frase mais memorável até hoje: “A Terra é azul.” Ao voltar, tornou-se um herói da União Soviética e instrumento de propaganda política. Em seu nome, sua cidade natal Klushino passou a se chamar Gagarin. Durante um voo de treinamento com um caça Mig-15 de dois lugares, versão de treinamento do primeiro jato de combate soviético, ao fazer uma manobra para evitar a colisão com um Mig-21 e outro Mig-15 ele caiu a nordeste de Moscou.
A segunda missão tripulada soviética com uma nave Vostok que durou cerca de vinte e quatro horas foi realizada a 06 de agosto de 1961 por Titov, o primeiro a sentir o “mal do espaço”, um equivalente ao “mal dos viajantes.” Um ano depois foi a vez da Vostok 3 com o cosmonauta Nikolayev e permaneceu três dias e 22 horas em órbita. Esta missão foi realizada em conjunto com a Vostok IV lançada a 12 de agosto sob o comando de Popovitch, permanecendo quatro dias e 23 horas no espaço. Ao todo aconteceram seis viagens de naves Vostok, sendo a última comandada por Valentina Tereshkova. Depois desse projeto, os soviéticos iniciaram um intermediário chamado Voskhod até que o projeto secreto da nave Soyuz que deveria ir à Lua fosse concluído. Na realidade esse novo veiculo foi apenas uma adaptação da Vostok e permitiu a partir da segunda viagem dessa classe que pela primeira vez um homem passeasse no espaço. Aleksei Leonov passeou por dez minutos, ligado por uma corda de até cinco metros de comprimento que permitia a comunicação com a nave. Essa nova versão possibilitou a tripulação de três cosmonautas, um sistema de televisão em circuito fechado, sistema de foguetes de aterrissagem e uma tubulação de borracha para a saída ao espaço, já que a cabine não podia ser despressurizada. Um fato curioso ocorreu durante a viagem da Voskhod 2. Seu sistema de orientação automática falhou, o que forçou a Beliaiev e Leonov controlar manualmente a reentrada atmosférica e descer erroneamente sobre os Montes Urrais, onde tiveram de passar toda a noite até o resgate de helicóptero chegar.
A próxima geração de espaçonaves soviéticas foi idealizada para a viagem tripulada à lua e projetada em segredo. As naves da série Soyuz que até a atualidade executam viagens da Terra à Estação Espacial Internacional Alfa foram projetadas em 1965, porém seu primeiro voo tripulado no ano de 1967 com a Soyuz I sob o comando de Vladimir Komarov resultou no primeiro acidente fatal da União Soviética, quando seu paraquedas não abriu e ocorreu a colisão com o solo. Outro acidente fatal ocorreu com a Soyuz 11 quando seus três cosmonautas morreram asfixiados uma hora antes de sua aterrissagem. Consequentemente, aconteceram atrasos na realização e continuação do programa que revelou ser o mais duradouro da Federação Russa. Várias versões Soyuz foram fabricadas até o ano de 2002. A mais nova é a TMA e há também a versão de carga conhecida como Progess lançada pela primeira vez em 1978. As características básicas são uma cabine de comando, de forma esférica, um módulo de serviço onde os tripulantes realizam suas atividades cotidianas e um módulo propulsor, além de sistema de (des)atracação. Diferindo das naves do programa Apollo, a Soyuz foi construída para pousar no solo e usar energia solar durante a viagem.



O Programa de Exploração Lunar Soviético
A corrida para colocar o primeiro homem na Lua começou pouco tempo depois do lançamento do Sputnik. Segundo o astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, de 1959 a 1976 os soviéticos lançaram vinte e duas sondas espaciais que permitiram o levantamento da superfície lunar, a elaboração de uma cartografia lunar e explorações locais com veículos automáticos capazes de recolher amostras e enviá-las à terra. A primeira etapa ocorreram com a descoberta de que a Lua não tinha um campo magnético, nem cinturões de radiação (Lunas 1 e 2), fotografaram a face oculta dela (Luna 3 e Zond 3, versão da Soyuz), primeira alunissagem (Luna 9) após quatro missões de estudo de pouso (Luna 4, 5, 7 e 8), transmissão do panorama do solo (Luna 9 e 13) e exploração ao redor (Luna 10, 11 e 12). As sondas Lunas 15, 16, 20 e 24 representaram um grande avanço por estar capacitada para a coleta de material, porém só obteve sucesso a partir da segunda citada. A União Soviética conseguiu ser bem-sucedida com a série Lunakhod, espécie carro robô, onde dois desses veículos percorreram a superfície lunar, fotografaram e recolheram amostras de solo para análise. Tudo isso fazia parte do plano para a expedição tripulada.
Os soviéticos preparavam-se para colocar um cosmonauta na Lua em 1968, porém as quatro sucessivas explosões do poderoso lançador N-1 inviabilizaram a missão. Esse foguete deveria transportar um módulo de pouso não tripulável para a órbita terrestre a fim de uma Soyuz da série Zond modificada tripulada por duas pessoas acoplar-se a ele e seguir viagem. Atingindo o objetivo, um cosmonauta desceria à superfície. A ideia do foguete foi concebida pelo próprio Korolev que o imaginou semelhante ao lançador R-7 movido por uma mistura perigosa de oxigênio e hidrogênio líquido, o que causou divergências com Gluchko. Após essa série de fracassos o programa foi abandonado e os indícios de sua existência destruídos, excetuando o módulo lunar mostrado a dois engenheiros do MIT durante uma visita ao Instituto de Aviação de Moscou. O governo, então, decidiu investir na construção de um foguete criogênico, o foguete Energia que atualmente é de responsabilidade da empresa ucraniana RKK, e de naves recuperáveis, semelhantes aos Space Shuttles americanos e a enviar as primeiras sondas para os planetas Vênus e Marte. Esses fracassos só puderam ser compreendidos a partir da política de transparência política (Glassnost).



As Estações Espaciais Soviéticas
Tendo perdido a disputa para colocar um cosmonauta na Lua e só conseguido enviar sondas Zonds com cobaias animais, os soviéticos decidiram investir os seus esforços na construção de uma estação orbital. A Salyut 1 entrou em órbita no ano de 1971 com a ajuda de um foguete Próton, versão construída para a Soyuz. O bloco orbital possuía três módulos. O compartimento de trabalho onde habitava e trabalhava a tripulação, o compartimento de engate e um terceiro módulo não pressurizado que possuía os motores para a orientação. Foi o primeiro laboratório tripulado a orbitar a Terra e recebeu duas missões: a Soyuz 10 e 11. Esta última teve sua tripulação morta por despressurização da cabine no retorno. A última estação dessa série foi a Salyut 7. Todas tiveram objetivos científicos civis e militares, sendo o principal acumular conhecimento para uma estação espacial modular permanente.
A Mir lançada em 20 de fevereiro de 1986 representou o maior avanço soviético e da astronáutica mundial. Sua construção durou até o ano de 1996. Ela foi dotada de seis pontos de atracagem que podiam receber naves Soyuz TM e cargueiros Progress e módulos contendo laboratórios com instrumentos científicos, além deles o observatório espacial Quant 1 e uma minifábrica denominada Korund (Rubi) destinada a fabricar cristais de selênio e antimônio, fundamentais para a indústria eletrônica e de Informática, cuja produção na Terra é impossível, o Quant 2 que trouxe uma motocicleta espacial e o módulo tecnológico Quant 3 batizado de Kristall que realizou pesquisas em astrofísica. Desde 1992, após herdar 80% do programa espacial soviético e fundar novas empresas estatais para coordenar as atividades espaciais, a Rússia fez acordos de cooperação com os Estados e a União Soviética. Em 1997, um cargueiro espacial Progress de sete toneladas colidiu com a estação, avariando um dos quatro painéis solares, cortando cabos de energia e abrindo um rombo de três centimetros quadrados na fuselagem de um dos módulos. A tripulação de dois astronautas americanos e um russo quase precisou abandoná-la. Sem poder consertá-la e com um grande somatório de problemas, o complexo foi derrubado sobre o Oceano Pacífico a 29 de março de 2001, após servir tanto a soviéticos, russos, americanos e europeus durante quinze anos. Os russos planejavam a colocação em órbita da Estação Mir 2 que deveria servir de estaleiro para a construção da nave capaz de chegar ao Planeta Marte, porém as dificuldades econômicas da Rússia fez o país abandonar o projeto. Seus módulos restantes atualmente serviram de base para a construção da Estação Espacial Internacional Alfa, construída graças a um consórcio internacional de mais de cinquenta países e que contou com a experiência russa nesse empreendimento inédito, já que os Estados Unidos não possuíam nenhuma sobre a construção de um complexo orbital permanente, ainda mais uma construída em partes como é o caso dela.

Conclusão
Atualmente, Rússia e Estados Unidos continuam a cooperar nas operações da Estação Espacial Internacional (ISS), juntamente com as agências espaciais de outros países componentes do consórcio promotor da construção. A parceria entre os dois ex-adversários da guerra fria intensificou-se a um nível antes não pensado devido à desativação do programa dos Space Shuttlhes (ônibus espaciais em português) da Nasa promovida pela administração Obama. Assim, o transporte de carga e de astronautas passou a depender inteiramente dos russos e de empresas terceirizadas, enquanto a Nasa seguirá o objetivo de explorar os planetas distantes e os asteroides e preparar uma expedição tripulada a Marte, embora a atual crise financeira possa colocar barreiras pelo caminho. Outros países nesses últimos anos surpreenderam o mundo ao enviar seus próprios espaçonautas para viagens orbitais. A China recentemente testou um laboratório orbital e pousou uma sonda na lua, feito acontecido pela última vez há mais de quarenta anos através de uma sonda soviética. Essas expedições estão garantido o acúmulo de informações para uma futura e segura missão lunar tripulada chinesa. Cabe aqui destacar, nessa conclusão, sem querer entrar numa discussão, que a exploração espacial, feita por instrumentos ironicamente por instrumentos projetados para a guerra e intensificada por questões militares, políticas e ideológicas, garantiu um grande desenvolvimento tecnológico útil para o cotidiano, tais como a comunicação por satélites e o GPS (Sistema de Posicionamento Global) e continuará a trazer mais benefícios, além, claro, de melhor conhecimento do universo.




Bibliografias:
MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Astronáutica: do sonho à realidade: história da conquista espacial. Rio de Janeiro: Bertrand 1999;

SARAIVA, José Flávio Sombra (org). História das Relações Internacionais Contemporâneas. São Paulo: Editora Saraiva, 2007;

TAYLOR, John H. L. Foguetes e Mísseis. São Paulo: Melhoramentos, 1974.





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