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A Liga do Xadrez


A Liga do Xadrez
1
Na antiga cidade de São Petersburgo, que outrora fora capital de um vasto império no leste europeu, havia uma intensa movimentação de pessoas em torno dos enormes e antiquíssimos palácios que lembravam muito aos santuários religiosos adornados com ouro e prata. Dentro de um deles, dois velhos homens confrontavam-se em um jogo onde apenas o mais ardiloso e articulador de estratégias poderia vencer.
O Xadrez. Conquistar o território de seu adversário e bloquear o rei era o principal objetivo do jogo que havia atraído a curiosidade de muitas pessoas em torno da mesa usada por ambos os velhos. Estes se olhavam, encaravam-se e tentavam fazer com que um caísse na armadilha do outro.
Movimentando as peças sobre o tabuleiro, eles se atacavam sem nenhuma compaixão tornando esse pequeno cenário com sessenta e quatro quadrados que se alternavam em espaços pretos e brancos num campo de batalha sangrento. Um lugar que não permitia a ocorrência de erros, onde ignorantes podem ser derrotados sem compaixão e os descuidados, desavisados das armadilhas preparadas são golpeados sem dó. O verdadeiro jogo de Xadrez.
Naquele momento, sobre o tabuleiro, travava-se uma batalha pela vida em um dos lados. Era um desafio complicado proteger uma área dominada pelo invasor. Movimentos errados podiam acontecer e, assim, as forças malignas poderiam vencer.
-Xeque. -Disse de forma ameaçadora o jogador que trajava vestimentas pretas como as usadas em enterros.
Um Cavalo preto ameaçava o Rei branco que se movimentou uma casa para frente.
-Não pense em me vencer. -Respondeu o outro jogador.
O Cavalo preto teve de ser retirado de dentro do território atacado, pois o rei poderia capturá-lo. Então, um Cavalo branco foi movimentado saltando duas casas guardadas por um bispo. A maioria das peças brancas já tinham sido colocadas em movimento compondo um visual desorganizado sobre o jogo. As saídas para a fuga do Rei branco encontravam-se fechadas por algumas de suas peças principais. O velho jogador esperava o momento certo para usá-las numa ofensiva. Ele não desejava usá-las com a finalidade de evitar um xeque-mate, porém o risco devido ao isolamento havia aumentado. Após movimentar a Dama preta, de repente, sentiu-se um grande estrondo, o povo na rua em alvoroço estertor e muita fumaça cinza. Um prédio próximo havia explodido. Os dois velhos desapareceram do salão do palácio. Na mesa, o jogo de Xadrez tinha permanecido com as peças colocadas devidamente em posições de ataque. 
 (Imagem não diz respeito à cena descrita, mas serve para dar uma ideia)

2
Daniel Fernando Alves dos Santos disputava uma partida de Xadrez em plena praça no moro da Igreja Matriz contra o seu melhor amigo e professor Alberto Jonas Campos. Esses dois eram considerados os maiores xadrezistas do país e enquadravam-se entre os melhores do mundo. Eles jogavam uma partida que pendia para os dois lados. Ninguém lançava um ataque ameaçador contra alguma peça ou o Rei adversário. Talvez não possuíssem coragem, ou fosse apenas alguma precaução, mas Daniel não esperava que seu território fosse penetrado por um bispo e a Dama capturada antes de iniciar seu primeiro lance.
-Tome mais cuidado da próxima vez. -Disse Alberto.
-Eu... não esperava por isso.
-Esteja preparado para todas as possibilidades sempre ou não jogará bem.
Mais um movimento tinha sido feito fazendo com que o Bispo inimigo recuasse para trás antes de ocorrer sua prisão.
-Eu espero de tudo.
-Espera me vencer, mas não é o bastante. -Respondeu Alberto.
-Só quero terminar este jogo.
-Uma das maiores virtudes do homem é a paciência.
Saber esperar a sua vez de vencer é uma das virtudes mais importantes que o homem possui por toda a vida. A pessoa possuidora desse dom pode planejar suas ações com a segurança de que elas se sucederão da maneira prevista. É apenas uma questão de paciência.
Daniel previu as manobras de seu melhor amigo, mas não conseguiu esperar por um movimento errado e atacou muito cedo. Nesse instante, um homem trajado de branco desceu a escadaria para onde os enxadristas encontravam-se. Ele parou e permaneceu observando o homem de meia idade e o jovem que sempre aprenderia alguma coisa nova da velha arte de jogar. Uma arte passada de geração em geração criando grandes mentes que continuarão a divulgar a velha estória dos campos de batalha medievais contadas sobre o tabuleiro.
-Você acaba de assinar o seu obituário. -Disse o estranho homem.
-Quem é você? -Perguntou Daniel.
O homem agachou-se olhando para Daniel e Alberto esperando que qualquer um deles adivinhasse sua identidade. Suas vestes pareciam ser da mais pura ceda encontrada no Oriente, onde tecidos finos eram fabricados havia milênios e mercadores ocidentais procuravam. Naquela parte do mundo, o Xadrez surgiu com a finalidade de contar uma batalha entre dois reinos. O tecido emanava um brilho tão branco quanto as nuvens celestes.
Alberto olhou para o homem refazendo a pergunta anterior que o estranho não respondeu. Este fez um sinal com a cabeça para o céu sentindo o canto dos pássaros. O ar balouçava as árvores.
-Acho que céu vai cair! -Comentou Daniel.
-Vim aqui em busca um homem maduro e de um jovem para cumprirem uma missão. -Disse o estranho homem.
-E que missão é essa? -Perguntou Alberto.
-Salvar o mundo. -Respondeu o estranho homem.
-Fale com o Presidente acerca de uma ameaça terrorista.
-Não é simples assim! -Respondeu o homem risonhamente ao subir a escadaria até a igreja.
-O cara deve ser louco. -Comentou Alberto.
Os dois continuaram a jogar. O velho e estranho homem tocou a campainha da casa do padre e de repente: aconteceu uma explosão derrubando a parede lateral da igreja. Repentinamente, ele sentiu a presença de alguém por trás e virou-se rapidamente a fim de descobrir quem ou o que o perturbava. Era um homem estranho de roupas pretas que como um fantasma saiu da igreja pela parede derrubada.
-Provocando explosões novamente?! -Bradou o homem.
O outro soltou uma enorme gargalhada como se a tragédia fosse algo cômico. O tom era grosso e alto, sombrio e capaz de atingir grandes distâncias. Porém, o eco batia na parede da casa e era impedido de continuar.
-Eu não provoquei a explosão de São Petersburgo. -Respondeu o homem de preto.
Quando a explosão aconteceu, Daniel e Alberto subiram correndo a escadaria a fim de saber qual a natureza do estrondo sentido e da poeira vista no ar. Muitas pessoas foram atraídas para o lugar, porém o padre não se encontrava entre a multidão.
-Meu Deus! O que houve aqui? -Perguntou Daniel.
-A explosão de São Petersburgo foi um atentado terrorista. -Disse o homem de preto que planejava um ataque contra o estranho velho de branco.
-Hum, sempre inventando coisas para fugir de seu próprio jogo.
-E você sempre tentando salvar a desmerecida Humanidade.
Alberto andou contra o estranho homem trajando roupas pretas, mas parou de caminhar no instante em que o outro apontou o dedo indicador.
-Tu jogas Xadrez há quanto tempo? -Perguntou o homem de preto que parecia fazer um grande esforço mental a fim de adivinhar pensamentos.
-Tu me conheces? -Perguntou Alberto.
-Saia de perto dele! -Bradou o homem vestindo vestes brancas.
Daniel e Alberto andaram até o homem que interrompeu o jogo deles.
-Responda-me quem é você.
-Alguém que tenta salvar o mundo das garras da escuridão.
-Trabalha para alguma agência de segurança? -Perguntou Daniel.
-Eu não trabalho para uma forma de vida material.
-Ah, você é um padre! -Daniel tentou adivinhar, mas sem sucesso.
-Não sou padre, nem algo parecido.
-Vai querer continuar seu joguinho de xadrez? -Perguntou o outro velho já se sentindo impaciente por causa do interrompimento.
3
A Polícia chegou à igreja ao mesmo tempo em que os dois estranhos velhos desapareciam. Eles sumiram durante um piscar de olhos. Alberto pensava na identidade de ambos.
-Aonde eles foram?
-Veja, a Polícia chegou. -Disse Daniel.
-Vocês estão bem? -Perguntou um policial ao sair da viatura.
Alberto saiu andando em direção ao meio da multidão formada na ladeira. As pessoas não entendiam quem era o estranho homem de branco. Seu amigo e aluno acompanhou-o até sua casa onde morava com uma filha adolescente e um cachorro doente. Daniel mantinha embaixo dos braços o tabuleiro de madeira fechado com as peças de Xadrez.
Em casa, Alberto brincou com o cachorro que estava muito pálido e não comia fazia dias. Sua filha havia entrado na área da casa e visto ele brincando com o animal quase morto.
-Brincando com esse cachorro doentio?
-Carol, ele também precisa de atenção.
-Ele vai morrer a qualquer dia.
-O que você fez hoje querida?
-Eu fui na casa da Rafa.
De repente, misteriosamente, ela colocou-se em pranto e correu para o seu quarto. Talvez tivesse feito uma descoberta ruim e desejava escondê-la de seu pai.




4

Enquanto isso, numa sala escura com uma mesa de reuniões comprida, cadeiras nas extremidades e uma lâmpada de sessenta watts suspensa no teto dentro de um suporte em forma de cone, dois velhos desconhecidos desconheciam um estranho acordo assinado para evitar algo muito diabólico. Um tentava fazer com que o outro aceitasse a nova proposta para não haver algum tipo de confronto direto. É claro que isso não aconteceria da maneira convencional onde se usavam bombas e mísseis que matavam milhares de pessoas.

O velho que usava uma túnica branca era Bóris Pet Milanovitch, campeão do Torneio Mundial de Xadrez realizado na poderosa União Soviética em 1945, logo após o término da Grande Guerra e o outro de preto chamava-se Mikail Anthonov Sviadovsk. Nomes jamais ouvidos antes visto a falta de provas sobre suas identidades, embora muitos indivíduos dos círculos xadrezistas afirmassem conhecê-los. Essas pessoas faziam parte de um suposto grupo conhecido como a Liga do Xadrez, sem pátria a fim de defender ou honrar. Bóris representava um dos membros mais antigos. Durante os tempos da chamada Guerra Fria, ele foi perseguido por agentes da KGB mandados pelo governo de seu país que o acusavam de traição, pois ele lutava contra a construção de armas nucleares e o fim da ordem bipolar estabelecidas pelas duas maiores potências mundiais. 
Alemanha, Muro de Berlim, ano de 1989.

A chamada Liga do Xadrez havia estado operando numa última missão quando o poderoso Exército Vermelho e a Agência Espacial Soviética projetaram uma estação orbital armada com ogivas nucleares. O Projeto Almaz. Era o mais audacioso empreendimento secreto executado antes do fim do comunismo no leste europeu, porém por questões técnicas e financeiras ele não subiu ao espaço. Alguns membros do Kremlin e da organização secreta pressionaram os militares a abandoná-lo antes que os ocidentais descobrissem os objetivos verdadeiros. Ela desapareu após a queda do Muro de Berlim em 1989, quando aconteceu a confirmação da ruptura definitiva do sistema comunista e agora ela ressurgia misteriosamente através de um velho e estranho homem após duas explosões de prédios russos e agora brasileiros.
-Mikail, aceite minha proposta para não causar uma nova guerra entre os homens. -Bradou Bóris.
-Você quer disputar a Terra num maldito jogo de Xadrez?
-Melhor do que causar uma nova guerra. -Arguiu Bóris.
-Disputar o mundo num torneio que mesmo sem ser bélico continua mortal.
-Eu sugiro que aceite porque não haverá outra alternativa melhor.
-Quanto tempo?
-Setenta e duas horas, por isso eu sugiro que encontre rapidamente uma dupla que aceite participar do torneio.
O acordo fixado afirmava o prêmio máximo da competição era o planeta.
-Colocarei na ativa a velha Liga do xadrez. -Disse Bóris.
-Hum, uma liga sem pátria e ninguém para honrar. -Murmurou sombriamente Mikail.
Mikail não era um homem de dar muita confiança a outras pessoas, pois ele normalmente se envolvia em atividades ilegais e logo estaria planejando um meio de impedir a entrada de representantes da Liga no torneio ou impedi-lo-ia de se realizar. Sua imposição para realizá-lo era apenas um ardil diabólico para o que aconteceria mais tarde. Ele e Bóris selaram o acordo com um aperto de mãos simbólico.
-Encontre seus dois competidores. -Disse Mikail.

 Parte 5
Na cidade, Alberto dava aulas de Matemática aos alunos do noturno na única escola estadual com ensino completo na cidade. Ele passava a fórmula de uma regressão no quadro ao ser interrompido. Ouviu alguém à porta:
-Você aqui! -Exclamou Alberto.
-Vi você com aquele rapaz jogar muito bem e decidi convidá-los para um torneio. -Disse Bóris.
-A escola não é lugar para discutir sobre torneios. -Respondeu Alberto.
-Então, esteja na Praça Cristóvão Colombo com seu amigo às dez horas.
-Mas, quem é você?
-Meu nome é Bóris e esteja na praça com o seu amigo amanhã às dez horas.
Alberto fechou a porta sem falar palavra alguma acerca de aceitar ir à praça com Daniel. Enquanto ele voltava a atenção aos seus estudantes adolescentes, o velho despa-
-recia. Ninguém o havia visto, sentido sua presença, além do professor.
-Algum problema Professor? -Perguntou Daniel.
-Pode vir à praça amanhã..., às dez horas na praça?
-Posso arranjar uma hora para encontrá-lo. -Daniel demonstrou indecisão e estranheza por tal covite. Seria mais outro novo projeto de Xadrez do Professor?
-Devemos estar lá às dez horas.
A tranquilidade assolava o pátio da escola até aquele instante. Inesperadamente, os pássaros decolaram dos telhados e das árvores próximas assustados. O sinal sonoro tocou liberando os estudantes da noite. Houve correria de jovens loucos para ir embora. No meio de toda a movimentação, um homem negro de cabelos verdes encrespados tirou do bolso de sua jaqueta preta uma pistola nove milímetros e apontou-a discretamente contra Alberto que se preparava para deixar a sala de aula. Antes do disparo, alguém derrubou-o no chão salvando-o. O tiro fez com que as pessoas saíssem apavoradas para fora da escola. Antes de ele se levantar, foi impedido por um gesto de mão de quem o havia salvado. O atirador correu nesse instante para a escadaria usada por estudantes do piso superior. O perigo continuava.
O atirador subiu correndo as escadas decidido a matar Alberto por qualquer que fosse o preço a pagar. Ele virou o corredor à direita, enquanto seu alvo descia acompanhado a escada dos professores. Ali, surgiu uma possibilidade de eliminar seu alvo.
Daniel enxergou o atirador que o lembrou a um adolescente desejando se vingar por notas ruins tiradas em exames passados e termos assinados. Ele subiu as escadas e no momento que o atirador virou os olhos ouviu-se dois grandes disparos vindos da outra escadaria. Ao chegar no piso superior, o garoto viu o corpo do atirador quedado de borco e decidiu andar até o outro lado encontrar-se com Alberto. Este se achava sozinho e um pouco desorientado. O homem que o tinha salvado havia desaparecido.
-Você está bem? -Perguntou preocupado Daniel.
-Sim, estou.
-Cadê o seu amigo?
Alberto pensou aonde foi o homem que o havia salvado das balas assassinas de um estranho, mas não quis comentar com Daniel sobre os possíveis motivos para uma tentativa terrorista de assassínio. Inexistia motivo aparente. Ele sempre foi amigo de todos e bom companheiro para discussões, ou para uma longa partida de Xadrez.


Parte 6
Bóris procurou por Mikail já sabendo do atentado contra Alberto que deveria participar do torneio mundial para salvar a Terra. Os dois homens encontraram-se no lado mais escuro da cidade e tiveram um demorado confronto de palavras.
-Tu tetaste matar Alberto hoje.
-Foi uma fato lamentável e talvez o garoto tivesse se tornando rebelde.
-Mikail, isso é motivo para tentar provocar um assassínio?
-Quiçá ele não desejasse se vingar do Professor por tê-lo reprovado.
-Alguém o encorajou a fazer isso.
-Um dos alunos?
-Não, mas alguém que se beneficiaria com a morte de meu escolhido. -Bóris
demonstrou indignação, raiva e revelou que suspeitava indubitavelmente de Mikail.
-Tu me acusas sem provas de um crime abominável!
-Eu não preciso acusá-lo camarada Mikail Sviadovsk, pois conheço todas as suas atividades ilegais, incluindo as executadas com auxílio da KGB.
Mikail costumava trapacear a fim de conseguir concluir seus objetivos e para isso ele não deixava de usar os velhos métodos como terrorismo e espionagem que havia aprendido durante o Regime Comunista. Conquistar o planeta, arrancá-lo das mãos das potências e entregá-lo a um grupo estranho era sua atual missão. Para tal finalidade, ele colocou propostas nas mesas dos maiores governos mundiais lançando uma campanha internacional denominada projeto Horizonte.
As propostas davam chances à conquista do controle de países fracos às empresas multinacionais estrangeiras de renome, alterando totalmente o mercado globalizado. Dizem que o poder de uma empresa vem dos vários anos em que ela colocou para desenvolver sua publicidade, marca, estratégias de vendas, ações valorizadas e de acordos de isenção de impostos e de domínio mercantil com governos que desejam obter tecnologias. Dessa forma, elas conseguiriam se influenciar politicamente numa região.
-Tu sabes de algo, mas não pode provar. -Disse Mikail.
Ele terminou a discussão e retirou-se da frente de Bóris sem convencer de que não tinha culpa do atentado contra Alberto. O incidente fragilizou o acordo selado entre os dois velhos homens e aumentou a possibilidade de ambos incentivarem às nações a deflagrar um novo conflito mundial. Algo que a União Soviética e os Estados Unidos inteligentemente evitaram.

7
“O mundo pode ser considerado um gigantesco tabuleiro de xadrez, onde todas as peças movimentam-se intensamente conforme as táticas dos jogadores que precisam se defender de ataques adversários e atacar a fim de diminuir a efetividade dos exércitos inimigos.”

A maior parte dos xadrezistas são encontrados jogando em praças públicas com o único objetivo de evitar o ócio. Uns eram velhos aproximando-se da morte e sem nada que os preocupassem, pois já tinham criado seus filhos e vivido da melhor maneira suas vidas. No meio desses velhos, um grupo de seis homens confrontavam-se aprisionando cada peça que ousasse invadir o território inimigo ameaçando a segurança real. O Peão ia uma casa à frente tentando atrair o adversário e liberando a Dama para um ataque direto contra o Rei adversário. Agora, o oponente ficava entre perder um Peão e deixar o Rei ser xecado ou até mesmo perder uma peça importante. Mas, ele resolveu recuar uma das peças ameaçadas, uma Torre, evitando, assim, a diminuição de seu arsenal.
Este homem era Young. Antigo xadrezista chinês que venceu o mundial disputado em 1964 na União Soviética e quatro anos depois ao voltar perdeu por xeque-mate. Dessa vez, a disputa era uma diversão entre dois grandes amigos. Ele havia desaparecido após perder o torneio mundial por causa dos agentes da KGB que perseguiram todos os xadrezistas acusados de crimes contra aquele país. Alguns foram executados pelos agentes abafando o caso e outros exilados. Uns foram mandados para a Sibéria e outros para países da América do Sul, onde espiões mantinham vigilância total a fim de impedir que segredos soviéticos fossem revelados ao mundo.
O oponente de Young era François Montesquieu que conquistou o torneio mundial
em 1981. Este xadrezista tinha desaparecido misteriosamente um ano depois. Ele era um
homem culto, gostava de ler, tinha um grande acervo de conhecimentos sobre Artes Cênicas e esculturas do período iluminista que havia abalado as grandes estruturas políticas do governo francês.
Os outros quatro homens diferentes em si eram velhos soldados de certas nações desaparecidos em períodos da Segunda Guerra Mundial. Os Nazistas invadiram a França forçando o governo desse país a assinar um acordo para pôr fim aos ataques defensivos contra a Alemanha. No entanto, em 14 de Julho de 1944 os aliados começaram a maior operação de invasão já realizada, terminando, assim, com a guerra iniciada em 1939.

Durante essa incursão, o piloto da Real Força Aérea Britânica Richard B Hershel teve o seu avião P-51 abatido por um dos canhões antiaéreos alemães. Após saltar da aeronave, ele caiu num campo francês onde um grupo de soldados inimigos aprisionou-o e foi levado como prisioneiro de guerra a um acampamento militar, e posteriormente a uma base alemã. Porém, com a guerra perdida o governo nazista aceita a rendição.
Todos os prisioneiros de guerra foram resgatados, mas ninguém jamais ouviu falar acerca do piloto Richard e pensou-se que o feroz combatente havia morrido na mais audaciosa incursão militar já feita.
Concluindo as apresentações, os três últimos homens eram Mitsuda, Kalef e Jonas. Há alguns anos eles se enfrentaram na esperança de alguém da Liga conquistar o torneio mundial, entretanto os três foram desclassificados sob a acusação de trapaça.
Numa das pontas daquela mesa retangular, Mikail aparecia sentado observando atentamente os lances feitos por cada um deles. Fraçois, repentinamente, desvia seu olhar, enquanto Young xecava-o.
-Xeque. -Disse Young.
Ele provocou uma abertura em linha reta contra o Rei adversário atraindo um dos peões. À frente do Rei branco de Young estava a Dama e a Torre que o xecavam. Todas as defesas do Reino Branco de Fraçois haviam sido desarticuladas.
-Ficaste sem saída caro Fraçois.
-Tu me surpreendeste.
-Assim, o jogo fica mais interessante. -Interrompeu Bóris.
Fraçois, sem a possibilidade de continuar porque suas peças de grande mobilidade estavam fora da trajetória de defesa, aceitou o xeque-mate, mas antes ele tentou resistir. Em sua cabeça, ele se lembrou de que o Xadrez é um jogo onde tudo pode acontecer, o inesperado tornar-se realidade. Dizem que a possibilidade de lances durante uma partida excede aos números de átomos existentes no universo. Ambos os competidores estavam conscientes disso.
A movimentação das peças nos tabuleiros da Liga pode conseguir a destruição de muitos e a vitória de alguns, mesmo que os mais hábeis jogadores resistam com seus truques escondidos sob as mangas e inexiste possibilidade de ambos os lados manterem-se equilibrados eternamente.
Pouco antes do fim do jogo:
-O que você quer camarada Bóris? -Perguntou Fraçois seguindo a tradição russa.
-Seu reino recebeu a maior das incursões, vejo no tabuleiro, entretanto não estou aqui para criticá-lo, mas por uma razão de maior importância.
-Aquele seu amigo Mikail aprontou novamente?
-Ele fugiu da última partida camarada François.
François mexeu o Rei uma casa para a frente prendendo a Dama que o ameaçava, já que não havia outro lugar como esconderijo e os Cavalos Brancos estavam fora do alcance de intercepção, assim a Torre Negra terminou o jogo.
-Xeque-mate.
-Fim do jogo. -Disse Bóris.
-Ora, pare com essa palhaçada! -Interrompeu irritado Richard.
-Quer o que nós? -Perguntou o japonês Mitsuda.
-Eu quero a ajuda dos Senhores.
-Por Alá! -Exclamou Kalef, um muçulmano vítima do holocausto.
Estes homens faziam parte da antiga Liga do Xadrez que lutou contra o comunismo da União Soviética e a dominação maligna dos Estados Unidos durante a guerra fria. Ela foi perseguida implacavelmente e agora retorna para uma nova missão. Suas ações clandestinas causaram vários embates diplomáticos entre as potências mundiais acerca do desenvolvimento e manutenção de arsenais nucleares. 

8
-Vocês estão dentro da liga internacional...
-Nós ainda fazemos parte da Comissão Internacional do Torneio. -Interrompeu François.
-Quero que vocês me ajudem a evitar as trapaças de Mikail. -Disse Bóris.
-Vai competir de novo? -Perguntou Richard.
-Não, mas aquele professor que você salvou vai.
Richard havia sido enviado à escola para tentar evitar o atentado contra Alberto que Mikail havia ordenado, porém ele não conseguiu e precisou enfrentar o atirador durante a saída dos alunos da escola.
-Hum, da última vez, nós quase fomos mortos. -Comentou Richard.
-O mal possui suas faces voltadas à escuridão. -Disse Young.
-É difícil enxergá-lo assim. -Respondeu Mitsuda.
-E mais difícil ainda é enxergar a verdade nele. -Concluiu Jonas.
Um dia Jonas foi considerado um homem impecável até que alguém da sociedade afastou-o de seu mundo puro, porém ele descobriu a Liga e decidiu se juntar a ela para combater aos homens e mulheres que corrompiam sua sociedade.




9
Estava quase amanhecendo quando Alberto consumou seu tenebroso sonho. Ele corria atemorizado por um beco sujo de uma cidade grande, pois um assassino perseguia-o. Ouviu-se, então, vários disparos e um destes derrubou-o. Segundos depois, um homem alto e corpulento aproximou-se vagarosamente.
-Xeque-mate. -Disse o homem cuja face Alberto não podia ver, pois aquele beco não possuía iluminação pública e à noite só criminosos andariam por lá.
-O que? -Alberto estava perplexo.
O homem engatilhou a arma a fim de fazer o disparo fatal. Nesse instante, Alberto acordou ouvindo o som do relógio despertador. Ele o desligou com um tapa, levantou-se e foi ao banheiro. Lavou o seu rosto e escovou os dentes tentando esquecer o que tinha sonhado, mas parecia-lhe difícil de fazer. Começou a pensar no verdadeiro significado daquele pesadelo sem lógica para um homem pacifista. Talvez o atentado cometido por um adolescente contribuísse a fim de formar uma atormentação durante o sono.
Carolina acordou pouco tempo depois e encontrou seu pai mergulhado de cara na pia. A água molhava a cabeça dele e caía sobre o piso de azulejos do banheiro. Ela ficou preocupada:
-O que houve papai?
-Tive uma noite ruim.
-Tentaram te matar ontem e você nem sabe o motivo. Isso deve estar te incomodando.
-Talvez seja. -Respondeu Alberto.
-Eu acho que você já se lavou demais.
Ela tirou Alberto totalmente molhado da pia e ajudou-o a se secar com uma toalha de algodão.
-Sabe às vezes alguns dos nossos sonhos podem ser avisos prévios.
-Eu não acredito nisso Carolzinha.
-Mas, deveria, porque os sonhos podem nos dizer como o será o futuro.
-Lave-se e venha tomar café da manhã. -Ordenou Alberto desejando evitar mais uma discussão com uma garota adolescente.
Alguns dizem que os sonhos são capazes de prever o futuro enviando mensagens interpretadas pelo inconsciente como sinais vindos de alguma dimensão ocultada da mente humana.
Alberto não parava de pensar naquele garoto morto por tentar matá-lo, porém não achava explicação alguma para o atentado. O corpo do atirador e o homem que o havia salvado não haviam sido encontrados, porém eles não poderiam ter desaparecidos como fantasmas que retornavam ao além. A Polícia local demonstrou perplexidade e duvidou sobre a veracidade do atentado. Mas, o professor sabia que naquela manhã a verdade apareceria através de um estranho velho no encontro marcado na praça da cidade.


10
Os antigos participantes da Liga decidiram ajudar Bóris a evitar as trapaças de Mikail com única condição de o futuro participante do desafio entrar para o seleto grupo secreto de xadrezistas.
-Vocês enlouqueceram de vez? -Perguntou Bóris espantado por causa da condição, pois nenhum indivíduo estranho era escolhido para fazer parte da Liga do xadrez. A organização não adicionava mais competidores desde a queda do muro de Berlim. Não havia mais motivos que incentivasse a escolha de novos membros. O terror nuclear encerrava-se com o fim do comunismo e os EUA ficavam sem um adversário de mesmo nível que pudesse bradar: “vocês não mandam no mundo!”
-Se seu escolhido aceita tentar o desafio, ele pode operar conosco. -Respondeu Jonas.
-Lembrem-se do que houve com o último xadrezista escolhido para se tornar membro da Liga. -Arguiu Bóris.
-Ele se corrompeu por conseguir iludir as pessoas.
-Deveria estar rezando em uma igreja, padre. -Disse Bóris.
Jonas era um padre na Irlanda que tinha lutado contra a coroa do Império Britânico em nome da independência daquele país. Porém, certa feita, já desiludido por saber de sua mãe doente, ele aceitou alguns milhares de libras para custear o tratamento dela sob a condição de que ele delatasse à polícia os terroristas que haviam explodido uma bomba perto do Parlamento Britânico. Após algum tempo, o grupo que tinha cometido o atentado começou a persegui-lo, o dinheiro acabou e sua mãe não melhorou, pois nem todo o tratamento pôde ser custeado e sua única saída foi se juntar à velha Liga que o socorreu.

Parte 11
Às dez horas pontualmente da manhã, quando o sino da matriz tocou e os pássaros da praça decolaram, o velho Bóris encontrava-se com seus convidados:
-Hum, vocês vieram! -Disse Bóris, pois ele temia a possibilidade real de o encontro não acontecer.
-Fale qual o jogo. -Disse impaciente Alberto.
-Vim aqui convidá-los para o torneio mundial de xadrez.
-Eu não participo mais do torneio e meu amigo é amador. -Respondeu Alberto.
-Dessa vez você realmente precisa competir.
Alberto havia perdido o último torneio mundial que havia disputado na Inglaterra fazia três anos e após a morte de sua esposa não quis entrar mais para nenhuma competição, pois a infelicidade acontecida no último dia de disputas deu-lhe uma nova visão acerca de competições. Assim, ele abandonou o xadrez profissional e passou a jogar apenas por diversão com seu aluno e amigo Daniel.
-Você precisa ter mais confiança em si. -Disse Bóris.
-E o que eu tenho a ver com tudo isso? -Interrompeu Daniel.
-Você é a minha segunda opção.
-Para quê?! -Perguntou perplexo Daniel.
-Para me vencer menino ignorante. -Respondeu usando uma entonação sombria e
lançando um sorriso maquiavélico o velho Mikail que ali aparecia.
Ele apontava uma pistola automática de boa aparência metálica contra Alberto que ainda tentava compreender o pedido de Bóris e agora a ameaça de ser morto por outro estranho velho que anteriormente havia explodido a parede da igreja matriz da cidade.
-Tu estás a descumprir o acordo, Mikail. -Disse Bóris.
-Eu deixei a Liga há décadas para não cumprir acordo algum e aqui está você novamente tentando fazer o que os membros mais antigos falharam. -Respondeu Mikail.
Discretamente, Young aproximou-se disparando três tiros de pistola contra Mikail que quedou de borco sobre a calçada jorrando sangue pela boca.
-Xeque mate. -Disse Young.
Alberto e Daniel deixaram assustados a praça da cidade. Eles não haviam entendido o motivo para um velho homem ameaçar suas vidas e ser morto de forma covarde. Todavia, conheciam a ideia de se aproximar por trás para capturar um Peão, já que esta peça não pode voltar. Assim fez Young.
-Obrigado, a Liga cumpriu o seu dever. -Agradeceu Bóris.
-Você não vai mais precisar colocar alguém no torneio. -Disse Young.
-Quiçá, por algum tempo. -Sussurou Bóris retirando-se da praça.
Esta foi a última ação da Liga, porém, felizmente, com a ajuda do próprio adversário que tinha tentado trapacear. O velho Mikail não daria o mundo aos seus aliados. Não precisaria haver torneio por um bom tempo. 

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