Conflito entre as Juntas Governativas de Recife
contra a de Goiana
Autor: Itacir José Santim
Maria
Graham nasceu em Pepscastle, perto de Cockermouth, na Inglaterra, em
19 de junho de 1785 e viveu até 1842. Ela era filha do comissário
do Almirantado Britânico vice-almirante George Dundas. Recebeu boa
educação e tornou-se hábil conhecedora em literatura inglesa e
estrangeira, arte e uma excelente desenhista. Seu primeiro livro de
viagens surgiu após a viagem à Índia feita com o pai em 1808. No
ano seguinte, casou-se com o Capitão da Marinha Thomas Graham.
Pode-se afirmar que foi uma das viajantes beneficiadas com a abertura
dos portos brasileiros permitida por D. João VI. Em 1821, a bordo da
Fragata Dóris capitaneada pelo marido ela, como professora de
literatura de uma turma de guardas-marinha, vem pela primeira vez ao
Brasil, desembarcando em Pernambuco, onde o governador Luís do Rêgo
sentiu dificuldades em recebê-la, devido ao sítio de Recife pelas
forças que apoiavam a Junta Governativa de Goiana. O bloqueio
efetuado por elas tornou necessário que o Capitão Graham enviasse
uma missão para negociar a liberação de víveres ao navio e graças
a isso sua esposa conseguiu deixar para a posteridade uma viva
descrição sobre a junta revolucionária estabelecida em Goiana. A
segunda visita ocorre em 1822 após retornar do Chile.
Os antecedentes do conflito. Revolução Liberal em
Portugal. Em 24 de agosto de 1820, constituíram-se na cidade do
Porto as Cortes que exigiam a promulgação de uma constituição
liberal nos moldes da espanhola, cujo juramento o Rei D. João VI
deveria prestar antes de ela ser aprovada pela assembleia e o seu
retorno imediato ao Reino.
Brasil. Pernambuco. A
notícia dos acontecimentos em Portugal causou expectativas entre as
elites agrárias pernambucanas que viam nela a possibilidade de maior
autonomia à província e passaram a desconfiar do Rio de Janeiro
como um defensor do Antigo Regime. Em Pernambuco, o governado
Luís do Rêgo Barreto, tendo observado a situação como um militar
experiente que participou das guerras napoleônicas, decidiu
reconhecer as autoridades das cortes lisboetas e sua constituição,
conforme o decreto régio, assim a 3 de março no Recife ele reuniu
as autoridades locais, a tropa e o povo a fim de efetuar o juramento.
Quatro dias depois, a contragosto, o rei embarca de volta a Portugal.
O governador depois promoveu uma eleição a um conselho
consultivo composto por pessoas que o apoiavam e no fim do mês
nomeou a Junta Constitucional Governativa que só se reportaria a
Lisboa, conforme os decretos das Cortes de 24 de abril. Esses
acontecimentos aumentaram os descontentamentos em Pernambuco, cuja
memória da Revolução de 1817 persistia e as execuções do ano
anterior agravaram a situação, o que fez o governador conduzir
cautelosamente a nova política, inclusive conciliando os presos dela
soltos na Bahia após a formação da nova junta governativa de lá.
Enquanto, isso silenciosamente formava-se a resistência contra esta
denominada de Junta de Recife, cuja liderança coube a Francisco de
Paula Gomes dos Santos, um rico plantador que perdeu tudo por ter
atuado no conflito citado acima e participaram da organização da
conspiração realizada no engenho de Cangahu Felipe Mena Calado,
escrivão português do Ceará, Manuel Cavalcanti de Albuquerque, um
dos irmãos Cavalcanti, ambos soltos da prisão da Bahia, e Joaquim
Martins da Cunha Souto Maior, dono da propriedade.
Luís do Rêgo havia se negado a promover uma eleição
para a Junta Governativa aumentando a oposição e passando a ser
alvo de uma tentativa de assassinato à bala cometida em 21 de Julho
por João Souto Maior que fracassou e fez aumentar a repressão pelo
governo lega.
Em 29 de setembro de 1821, seiscentos homens compostos
da milícia, de desertores da companhia de caçadores e de outras
forças nativas, sob o comando do Tenente-coronel de milícias
Manuel Inácio Bezerra de Melo invadem a Câmara Municipal de Goiana
proclamando o fim do governo de Luís do Rêgo e estabelecendo
naquela localidade, perto da fronteira com a Paraíba, um governo
provisório até haver condições de estabelecer uma junta
constitucional na capital.
Na noite de 21 de setembro, antes do desembarque de
Maria Graham, os opositores atacaram Olinda ao norte e Afogados ao
sul, mas foram rechaçados pelas forças realistas e depois aconteceu
um novo ataque em 1° de outubro ao segundo local citado, tendo
causado a mesma consequência anterior. Na manhã desse dia, a Junta
de Recife dirigiu um manifesto à de Goiana oferecendo-lhe a paz e
reiterando que Luís do Rêgo estava pronto a se demitir, ademais ela
insinuou que o governo contava com apoio das fragatas inglesas e
francesas ancoradas em Recife, porém segundo a viajante e esposa do
Capitão da Dóris, a tripulação só tinha ordens de atuar na
proteção da propriedade inglesa na cidade. Enquanto nas outras
províncias, as eleições de juntas enfraqueciam o poder da elite
local que dependia do apoio dos militares acontecia o oposto em
Pernambuco governado por um, cuja capacidade administrativa
reduzia-se.
Maria Graham teve a oportunidade de se encontrar com os
membros da Junta de Goiana, devido ao bloqueio efetuado por seus
membros que impediu o retorno de roupas pertencentes ao navio de
guerra britânico e o embarque de mantimentos. Ao seguir até o
quartel deles, ela encontrou na cavalgada uma deputação paraibana
que ia propor condições a Luís do Rêgo. Na sede, escutou um longo
discurso do secretário Filipe Mena Calado da Fonseca que expôs a
injustiça do governo em relação ao Brasil, aos pernambucanos em
particular e do governador português, justificando, assim, a
constituição da junta adversária. O discurso lembrou-a dos
manifestos carbonários italianos. Em seu diário datado de 1821,
questionou se o governador não poderia ser chamado de rebelde por
infidelidade ao rei. Os membros da Junta de Goiana alegavam não
querer prejudicar D. João VI e estavam cientes do que dizia o
decreto das cortes.
Sem uma alternativa para a vitória, a Junta de Recife
decidiu dialogar. Em 05 de outubro, na povoação de Beberibe,
aconteceu o encontro entre a deputação paraibana representando a
Junta de Goiana com Luís do Rêgo e seus membros. Eles acordaram em
deixar Recife sob o comando do governador e o restante com os goianos
até a eleição de uma nova. Segundo, registra a viajante ambos os
lados deveriam passar a ter representantes no conselho e parte igual
na administração, os opositores deveriam retirar as tropas
invasoras e permitir que o governador cuidasse dos negócios
militares até chegar novas ordens de Lisboa.
Referências:
CARVALHO,
Marcus J. M.
Cavalcantis
e cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco,
1817-1824. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.18, n.36.
1998. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S01020188199
8000200014&lng=e n&nrm=iso >. Acesso em: 28 out.
2012.
COSTA,
Emília Viotti. Da Monarquia à República: Momentos Decisivos. 1a
ed, Editorial Grijalbo, São Paulo, 1977.
GRAHAM, Maria. Diário de uma Viagem ao Brasil. Edusp, São Paulo / SP, 1990. (Coleção Reconquista do Brasil)