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sábado, 30 de novembro de 2013

COELHO, Lauro Machado. O Fim da União Soviética: Dez anos que abalaram o mundo, Ática, São Paulo, 1996.

Lauro Machado Coelho ao iniciar a introdução explica que o livro pretende fazer um retrospecto dos antecedentes que levaram à dissolução da União Soviética formalmente acontecido a 25 de dezembro de 1991. Isso marcou o fim da guerra fria e do confronto entre os blocos comunistas e capitalista, além de remodelar o mapa europeu, pois com esse acontecimento as Repúblicas Soviéticas tornaram-se independentes, ressurgindo como Estados Nacionais. O autor diz que a Rússia, o país que representou o modelo do comunismo, aderiu ao FMI e privatizou suas empresas estatais, estimulando a iniciativa privada e mudando sua legislação para atrair investimentos estrangeiros. O Ministério Russo do Interior pediu a cooperação do FBI para ajudar a combater o crime organizado, principalmente a máfia que ganhou proporções internacionais.
Os frutos proibidos. Lauro Coelho Machado conta que antes de a União Soviética acabar ouvir rock, seguir a moda ou cultivar certas formas de lazer eram manifestações burguesas decadentes do ocidente que permaneceram proibidas e foram fortemente reprimidas. Pela primeira vez, romances, filmes e peças de teatro críticos circularam normalmente naquela região. Parte do problema a ser resolvido devido ao fim do comunismo são crise econômica, impasses políticos, proliferação vertiginosa do crime organizado, dificuldade em substituir por instituições novas as estruturas políticas soviéticas. Na Rússia, devido às privatizações há o risco de retrocesso em algumas conquistas socialistas nas áreas de educação e saúde.
No capítulo I o autor começa a descrever os antecedentes. Quando Leonid Bréjnev morreu em 1982, após dezoito anos de permanência no poder, a União Soviética sofria uma grande crise econômica. A população atingiu 270 milhões de habitantes, declinava a taxa de mortalidade e elevava-se a expectativa de vida, aumentando a população idosa inativa, prejudicando a assistência social, em cuja situação agravava-se ainda mais pela emigração, principalmente de membros da comunidade judaica que na União Soviética era discriminada.
Escassez de moradias e de bens de consumo que causavam filas intermináveis eram comuns no cotidiano soviético. A única maneira de se obter diversos produtos era contrabandeando-os pelo mercado negro.
A mais alta taxa de natalidade soviética era asiática, vinda daquelas repúblicas. Ela caiu pela metade e aumentou, assim, as reivindicações dos grupos étnicos asiáticos, obrigando o governo a dar o direito de usar suas próprias línguas e não restringir mais o acesso a certos escalões políticos, exemplifica o autor. Aplicações severas de punições judiciais não eram mais suficientes para coibir especialmente o crime organizado das máfias da Geórgia, do Azerbaijão e Tadjiquistão.
Desde 1978 o crescimento industrial começou a decair, porém a indústria pesada e de armamentos continuava prioritária. Usava-se tecnologia obsoleta para explorar as reservas de óleo e gás natura. Desviava-se muitas matérias-primas para a indústria militar, o que representa uma das causas da falta delas nas fábricas de bens de consumo. Além desses problemas também existia a crise política. Bréjnev retornou a perseguir dissidentes e a nova constituição de 1977 em nada melhorou o respeito das liberdades civis. Em 1971 o tratado Salt-1 foi assinado, atenuando a confrontação entre Estados Unidos e União Soviética. O projeto americano de instalar mísseis nos países-membros da OTAN e o da bomba de nêutrons geraram polêmica entre a Casa Branca e o Krêmlin. Em 1964, um golpe substituiu Kruchóv por Bréjnev e quando este morreu Iuri Andropov foi escolhido, depois Tchernenko e por último Gorbatchóv. Foi este ministro que inicialmente se preocupou em consolidar o poder e depois propor uma reformulação nas estruturas econômicas que ficou conhecida como perestróika e uma política, a glásnost pensada ainda durante a Conferência de Helsinque sobre segurança europeia. Essa era uma política arrojada destinada a mudar a mentalidade social, desburocratizar o país e demonstrar vontade política de reformar o país.
A perestróika acabou criando hábitos consumistas que antes eram desestimulados pelas autoridades e glásnost deu ao povo o direito ao voto partidário e a eleições diretas. O direito à reivindicações aguçou, então, desejos nacionalistas e separatistas antes reprimidos a fim de manter a unidade. O novo chefe de Estado colocou finalizou com o conflito sino-soviético e iniciou as conversações sob os auspícios da ONU para retirar as forças soviéticas do Afeganistão que foi concluída em 1989 após um grande desgaste militar. Aconteceram nesse período também o fim do apoio soviético às ex-colônias portuguesas de Angola e Moçambique e a aceleração do regime de segregação racial na África do Sul. Os Estados Unidos sob a presidência de Reagan interviram na Nicarágua. Os próximos presidentes adotaram posições conciliatórias com a União Soviética, mas foi na Guerra do Golfo quando ela colaborou entregando seu aliado Iraque que as relações internacionais demonstraram haver mudado.
No capítulo 2, o autor conta que Gorbatchóv com a perestróika expulsava os velhos apoiadores do stalinismo e inocentava gente considerada anteriormente traidora do regime, indignando os veteranos dos Partidos Comunistas. Documentários sobre as perseguições dos períodos anteriores começaram a ser mostrados na TV. Gorbabatchóv rompeu com a tradição ao sair para as ruas e ouvir as pessoas sobre os problemas que se agravavam no país. Mas, conservadores e dissidentes ainda consideravam tímidas, incompletas e insuficientes as reformas, porém para elas acontecerem efetivamente fazia-se necessário ampliar os poderes do secretário-geral. O premier fez isso em 1988 ao tornar a presidência um cargo com funções administrativas e aprovar a criação de um Legislativo que seria escolhido por eleições diretas e com voto secreto. Com essa abertura política, a povo descobria possibilidade de se fazer ouvir e realizavam passeatas, greves, manifestações e greves. Os Partidos Comunistas perdiam sua hegemonia, acabando com o monopólio de poder. Em 1990, foi aprovada a lei que permitia a criação de novos partidos políticos, garantiu a liberdade religiosa e estabeleceu a eleição por voto direto do Presidente com mandato de cinco anos e direito a uma única reeleição. Em 02 de julho decidiu-se aumentar a participação da repúblicas na cúpula e reduzir os poderes do Comitê Central, acabando de vez com o monopólio do poder do PCUS.
O movimento separatista espelhava o que acontecia no bloco socialista como um todo e só as repressões do Pacto de Varsóvia podiam contê-lo, mas naquele momento nada podia ser feito. O muro de Berlim foi demolido em 1989 e a Alemanha reunificado e uma revolução na Hungria derrubou o seu ditador Nicolae Ceausescu que com a mulher foi fuzilado. A União Soviética desmoronou como um bloco de cartas, compara o autor.
O autor escreveu no terceiro capítulo que a glásnost obteve os resultados mais rápidos e visíveis na área na área da cultura, onde a repressão do governo foi maior. O papel do Departamento de Censura, a Glavlit, foi reduzido e não se falseavam mais as notícias a fim de passar uma imagem idealizada do país. Na literatura russa, tanto tempo reprimida, iniciou-se uma fase de revisão do passado. Em 1987 na revista Nóvy Mir o poema proibido O Direito à Memória foi publicado, onde Aleksandr Tvadvski, morto em 1971, condenava as supressões fatos e pessoas indesejáveis nos livros oficiais. Livros de ficção e realidade antes censurados agora voltavam a ser publicados. Um censurado foi o Dr. Jivago. Os pintores abstracionistas abandonaram as amostras clandestinas e a música do tipo heavy metal e erudita pode ser ouvida por um público maior. O ano de 1987 também marcou a época do retorno dos filmes censurados. Cinquenta e seis deles censurados foram exibidos. Nesse mesmo ano, a revista de moda alemã Burda começou a circular no país e pouco tempo depois aconteceu a instalação do MacDonalds, a abertura da fábrica de jeans Calvin Klein e a liberação para importar artigos de luxo. Produtos supérfluos começaram a ser consumidos.
O quarto capítulo discorreu sobre os novos da economia. De 1981 a 1985 houve uma sequência de más colheitas por todo o país, obrigando, por exemplo, à importação de cereais. Em 86 o preço do petróleo baixou, duplicando o déficit comercial. Era urgente modernizar a economia e acabar com a escassez de produtos de qualidade. O XII Plano Quinquenal (1986-1990) priorizava o investimento em novas tecnologias, renovar os métodos de gestão estatais e incrementar o comércio com o ocidente. Não deu certo. O planejamento centralizado, então, foi abandonado e buscou-se um programa econômico mais flexível e receptivo às forças do livre mercado. Em 1988 a economia ainda mostrava um desempenho precário e a renda nacional não atingiu o limite necessário. Trinta e cinco por cento da pulação viviam abaixo da linha pobreza. No ano de 1989 foi preciso racionar açúcar. O arrendamento das lavouras passou a ser feito por longo prazo às famílias camponesas e cogitava-se tornar os velhos kolkhozes em cooperativas. Em maio de 1990, o governo tentou o Plano de Transição Gradual para a Economia de Mercado, mas teve de adiar a medida, pois a população correu freneticamente para as lojas.
Em 1991 o governo divulgou as estatísticas nacionais, informando redução do PNB, da renda nacional e um aumento do déficit comercial. A estabilidade política, assim, afirmou o autor, já não era possível.
O quinto capítulo descreveu a morte da União Soviética. Os conservadores começaram a questionar as atidudes de Gorbatchóv. Este em 1991 convocou um pleibiscito, onde 76,4 % do eleitorado concordou em preservar a unidade nacional e propôs o Tratado da União. Isso aumentou ainda mais o descontentamento dos conservadores que tramaram um golpe. Seis e vinte da manhã de 19 de agosto de 1991 a agência TASS divulgou a falsa notícia de que o premier estaria incapacitado de exercer suas funções e em seu lugar assumiu um Comitê Estatal presidido pelo vice que declarou estado de emergência em várias regiões por seis meses. Houve uma forte reação popular contra o golpe, sendo que Boris Iéltsin conclamou a população à resistência. O golpe fracassou. Gorbatchóv mantido prisioneiro voltou a Moscou. Depois disso, a União Soviética desmembrava-se totalmente e tornava-se em Comunidade dos Estados Independentes que sempre funcionou mal e não conseguiu os objetivos para a qual foi criada. Iéltsin tornou-se Presidente da Federação Russa independente em 25 de dezembro de 1991 e herdeira da maior parte do complexo industrial-militar soviético e que não tolera o separatismo de seus membros como a Chechênia. Assim, terminou a guerra fria.

sábado, 9 de novembro de 2013

As populações indígenas do Brasil até 1500




Autor: Itacir José Santim



Estima-se que até a chegada dos portugueses existiam cerca de três milhões de pessoas nas terras que hoje é o Brasil e suas diferenças eram imensas. Atualmente, usa-se a classificação linguística para estudar os povos indígenas do Brasil. Distribuição dos principais povos Tupi – Tupinámbá (Bahia), Tupiniquins (dominaram a costa do Espirito Santo) Guarani – Mbya, Caiua, Nhandeva, Patos, carijós, Arachanes etc. Jê – Tapuías que designavam os Caruíbas e os Cariri, Aimorés ou botocudos em Minas Gerais, Xocleng e Kaingang no sul do Brasil. Aruaques – Terêna (MT), Paresi (RO) Dos povos que os portugueses mais contataram, os tupi-guarani controlavam grande parte do território desde o Maranhão até São Vicente. O Tupinambá era o principal grupo na Capitania da Bahia, enquanto ao sul os Tupiniquins dominavam até a costa do Espírito Santo, embora sempre estivessem sob ameaça dos Aimorés (Botocudos). A organização tupinambá Os tupinambás viviam em aldeias de 400 a 800 indivíduos distribuídos em grandes unidades familiares de 4 a 8 malocas alongadas. As responsabilidades na organização eram divididas segundo o parentesco de linhagem paterna, sexo e idade. Essas duas últimas definições eram mais usadas para definir privilégios e responsabilidades durante a captura de inimigos e no ritual de antropofagia. A economia tupinambá era de subsistência e de autoconsumo. Não se realizava muitas trocas entre as aldeias. Feijão, milho, diversos tubérculos e mandioca, transformada em farinha, faziam parte da alimentação deles. Os Tupinambás praticavam a coivara. Aos homens cabia o trabalho de abrir clareiras e derrubar as árvores maiores. Incendiava-se a vegetação rasteira e aproveitava-se suas cinzas como adubo. As mulheres plantavam colhiam, encarregavam-se dos artesanatos, de cuidar dos filhos e preparavam os alimentos. Os homens pescavam e caçavam. Os tupinambas e seus vizinhos praticavam uma economia de uso, não de troca, suprindo suas necessidades sem a preocupação de produzir excedentes. Organização política em geral Liderança por chefe ou xamã e os guerreiros; Redes estreitas por parentesco e alianças; Esses grupos eram nômades. Importância do chefe. Além das situações de guerra, era dever do líder determinar o deslocamento de uma facção, escolher o terreno para a nova aldeia, supervisionar a construção das malocas e selecionar o terreno para horticultura, além de demonstrar exemplo a todos como começar a trabalhar antes de todos. Em cada maloca também havia um líder, limitando a autoridade do chefe que ficava sujeita ao consentimento dos seguidores. Os xamãs. Eles juntos do líder tinham o papel de guardar as tradições, ser intermediários entre o sobrenatural e os humanos, interpretar sonhos e proteger a sociedade local contra ameaças externas, como espíritos malignos. Também decidiam quando era o melhor momento de guerrear. Antropofagia Antropofagia e sacrifícios causaram muita controvérsia no século XVI, porém ela constituía a base das relações interaldeias. As batalhas frequentemente congregavam guerreiros de diversas unidades locais. Nas vitórias, reuniam-se para comemorar e na derrota para reconstruir suas aldeias. O ritual de antropofagia era aceito por todo mundo, incluir pelo prisioneiro. Ser devorado era uma honra. Preso, o prisioneiro era levado à aldeia, lá bem tratado, pintado, podia ter mulheres, depois morto, conzido, limpo e comido. O executor, também tinha uma preparação e depois de matá-lo adicionava o nome do inimigo ao seu. Os Tupinambás viam no ritual uma espécie de vingança pelos seus ancestrais e essas sociedades indígenas, como antes dito, viam honra nele, conforme Hans Staden relatou. 

Reflexão sobre a antropofagia indígena e a praticada pela Igreja Católica.
Uma observação pessoal. Nem todos os grupos praticavam o ritual antropofágico. É preciso compreendê-lo dentro da cosmologia e dos meios que regiam as sociedades nativas antes da invasão portuguesa e espanhola nas Américas, pois só assim pode se evitar a criação de preconceitos. Ela é parte de um ritual religioso. Não comiam gente por gosto ou por terem fome, mas apenas em cerimônias religiosas ocasionais para adquirir as qualidades da vítima. Continuando o pensamento, a própria Igreja Católica mantém desde sua fundação por Constantino em 325 um ritual antropofágico, a chamada Eucaristia, ou seja, comer o corpo de Deus, correção, o corpo de Jesus Cristo (ele não é Deus, mas seu filho) para adquirir algumas de suas qualidades. Isso é bem próximo do que algumas sociedades indígenas praticavam. Se é horrível pensar em comer carne humana, saiba que os católicos também o fazem, mesmo que simbolicamente, mas o que incomoda e o simples fato de imaginar, mas as pessoas que frequentam a Igreja Católica nunca refletiram sobre isso e levam o ritual da Eucaristia como algo mecânico e aceitam passivamente, sem questionar a prática, por talvez querer viver a fé assim como esses indígenas ou por continuarem achando que dogmas não devem ser questionados, quando isso é uma necessidade e muitos por ventura precisam ser quebrados.
 
 Referências
ARRUDA, José Jobson de A. Atlas histórico básico. São Paulo: Ática, 2009.
 
 BRAICK, Patrícia Ramos; MOTA, Myriam Becho. História: Das Cavernas ao Terceiro Milênio – Da Formação da Europa Medieval à Colonização do Continente Americano. 2° Ed, São Paulo: Moderna, 2006. 
 
 GAMBINI, Roberto. Espelho índio. São Paulo: Axis Mundi: Terceiro Nome, 2000. 
 
 MELLATI, Júlio Cézar. Indios do Brasil. São Paulo: Hucitec, 1989. 
 
 MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: indio e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 
 
 STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. Porto Alegre: LPM, 2008. 
 
SCHWARTZ, Stuart B.; MOTTA, Laura Teixeira. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial 1550-1835. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.


domingo, 15 de setembro de 2013

Breve História da Reforma e Contrarreforma

 Autor: Itacir José Santim 

No século XVI a vida humana continuava sendo organizada conforme o calendário, o horário e os ritos religiosos. Os chamados dias santos eram respeitados. Aos sábados e nas vésperas das festas, a jornada de trabalho era reduzida para a preparação das cerimônias religiosas do dia seguinte. A morte como na Idade Média ainda preocupava muito as pessoas que desejavam saber com antecipação o que aconteceria a elas depois que morressem: iriam ao inferno, ao paraíso ou ao purgatório. Muitas pessoas temerosas e com recursos financeiros tentavam buscar uma solução para esse medo através da compra do perdão de Deus (Indulgência) vendido pela Igreja. Se a pessoa em vida tivesse cometido pecados considerados leves e pudessem ser redimidos após morrer ela passaria algum tempo no inferno do meio, conhecido como Purgatório, espécie de inferno temporário, onde passaria por muitos suplícios até ser recompensada com a entrada no paraíso. Seria, então, preciso que a mesma possuísse algum familiar vivo com recursos financeiros. Para isso, o familiar deveria comprar alguma indulgência ou fazer alguma boa obra em nome de quem morreu, assim o tempo de sofrimento poderia ser reduzido ou até mesmo cancelado. Se a pessoa morta fosse um usurário, pessoas que emprestavam dinheiro a juros, tudo o que ela recebeu a mais teria de ser devolvido para receber o perdão divino, senão deveria permanecer no Purgatório.
O clero nesse período era constituído por dois grupos: o alto clero e o baixo clero. Os membros do alto clero eram originários da nobreza e levavam uma vida luxuosa. Pode-se afirmar que eles sempre conseguiam os cargos maiores, mesmo sem ter as atribuições necessárias. Leiam esta crítica extraída do livro História geral das civilizações: os séculos XVI E XVII: os progressos da civilização europeia de Maurice Crouzet (1995):

Essa companhia de cônegos de Notre-Damme, recrutada na alta burguesia ou na nobreza, e entre os teólogos e canonistas mais reputados, mostra-se antes de tudo ciosa de administrar os bens da Igreja e defender os seus direitos e seus privilégios. Os curas das paróquias urbanas de Paris imitam-na. Mas o clero das cidades de província também se ocupa principalmente dos rendimentos de suas castelanias, de suas rendas e de seus dízimos. (p. 94)

Sabe-se também que a vida religiosa era destinada aos filhos mais novos das famílias nobres para evitar a divisão da herança. Já o baixo clero compunha-se de pessoas vindas de famílias pobres e sem prestígio, sendo muitos analfabetos. Eles precisam brigar com os beneficiários de suas paróquias para conseguir alguns centavos e/ou administrar algum negócio como lojas ou albergues com suas famílias e possuem maus costumes: bebem, brigam, jogam etc, conforme o autor acima citado.
A religião tinha se tornado uma sucessão de ritos mecanizados, repetitivos, pois dizia-se apenas palavras e repetia-se os gestos, era preciso acreditar naquilo que a Igreja afirmava, mesmo se contradissesse as Escrituras e nela própria. Nesse contexto, surgiram dois humanistas, os quais passaram a criticar ferrenhamente a Igreja e seus dogmas. Erasmo de Rotterdam e Martinho Lutero, porém eles divergiram entre si. O primeiro escreveu o famoso O Elofio da Loucura e o segundo no Sacro Império Romano Germânico fundou a Igreja Luterana, cujas características estão abaixo:

Quadro Comparativo entre Reforma Luterana e Reforma católica
Reforma Luterana
Reforma Católica (Contrarreforma)
A Bíblia é a única fonte da verdade divina e deve ser lida livremente por todas as pessoas.
A Bíblia só pode ser lida e interpretada por membros do clero.
Fim da hierarquia eclesiástica e do celibato.
Manutenção do celibato e da hierarquia na Igreja.
Abolição dos cinco dos sete sacramentos, restando somente o batismo e a eucaristia (comunhão)
Manutenção dos sete sacramentos: Batismo, Eucaristia, crisma, Penitência ou Confissão, Ordem, Unção dos Enfermos e Matrimônio
Negação da presença era do corpo e sangue de Cristo na hóstia e no vinho.
A Igreja Católica manteve a crença, confirmando-as no Concílio de Trento.
Fim do culto das imagens e santos
Confirmação do culto de imagens e santos.


O sacerdote francês convertido ao luteranismo, João calvino (1519 – 1564) influenciado por Lutero foi mais longe. Registrou sua obra em Instituição da religião cristã, pela qual pregava a aceitação exclusiva das sagradas escrituras, a predestinação e a eliminação das imagens de santos. O calvinismo surgido na Suíça ensinava que o lucro não era pecado e que a única maneira de alguém saber se estava predestinado à salvação era vencer nas relações econômicas com muito trabalho.
Na Inglaterra, o Rei Henrique VIII agindo mais por motivos políticos e religiosos rompe com o Papa em 1534 e publica o Ato de Supremacia. Nos anos posteriores a Inglaterra oscilou entre o Protestantismo e o Catolicismo. Os puritanos aderiram definitivamente às doutrinas calvinistas, dividindo o reino que levariam às Revoluções Inglesas do século XVII.
Enquanto isso, a Igreja Católica realizava a contrarreforma. A Inquisição ressurgiu, a Companhia de Jesus foi criada para difundir o catolicismo, livros foram proibidos através de uma lista chamada Índex e não houve nenhuma alteração da doutrina, conforme definiu os dezoito anos do Concílio de Trento, reunião realizada de 1545 a 1563, pela qual aconteceu a condenação do protestantismo, estabeleceu a doutrina sobre a autoridade do papa, as indulgências, os sacramentos, definiu os deveres e obrigações dos bispos, estabeleceu a regulamentação de formação do clero em seminários, manteve o celibato, proibiu a intromissão dos reis nos negócios eclesiásticos, confirmou o culto dos santos, o carácter indissolúvel do casamento, a crença no purgatório e organizou a congregação do índex. Apesar disso tudo, ela já não detinha mais seu monopólio de poder. Essas grandes mudanças estimularam o desenvolvimento capitalista e Lutero incentivou a alfabetização. Também muitas guerras religiosas aconteceram por toda a Europa, causando como consequência a fuga de milhares de pessoas para a América do Norte, constituindo, por exemplo, as Treze Colônias da América.

Referências:
BRAICK, Patrícia Ramos; MOTA, Myriam Becho. História: Das Cavernas ao Terceiro Milênio – Da Formação da Europa Medieval à Colonização do Continente Americano. 2° Ed, Moderna, São Paulo, 2006.
CROUZET, Maurice. História geral das civilizações: os séculos XVI e XVII: os progressos da civilização europeia, Bertrand, Rio de Janeiro, 1995.

FIGUEIRA, Divalte Garcia. História. Editora Ática, São Paulo, 2005.

SOUZA, Osvaldo Rodrigues. História moderna e contemporânea. Ática, São Paulo, 1988.



quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Um antecedente da "Independência" do Brasil na visão de Maria Graham: Conflito entre as Juntas Governativas de Recife contra a de Goiana

Conflito entre as Juntas Governativas de Recife contra a de Goiana
Autor: Itacir José Santim 

Maria Graham nasceu em Pepscastle, perto de Cockermouth, na Inglaterra, em 19 de junho de 1785 e viveu até 1842. Ela era filha do comissário do Almirantado Britânico vice-almirante George Dundas. Recebeu boa educação e tornou-se hábil conhecedora em literatura inglesa e estrangeira, arte e uma excelente desenhista. Seu primeiro livro de viagens surgiu após a viagem à Índia feita com o pai em 1808. No ano seguinte, casou-se com o Capitão da Marinha Thomas Graham. Pode-se afirmar que foi uma das viajantes beneficiadas com a abertura dos portos brasileiros permitida por D. João VI. Em 1821, a bordo da Fragata Dóris capitaneada pelo marido ela, como professora de literatura de uma turma de guardas-marinha, vem pela primeira vez ao Brasil, desembarcando em Pernambuco, onde o governador Luís do Rêgo sentiu dificuldades em recebê-la, devido ao sítio de Recife pelas forças que apoiavam a Junta Governativa de Goiana. O bloqueio efetuado por elas tornou necessário que o Capitão Graham enviasse uma missão para negociar a liberação de víveres ao navio e graças a isso sua esposa conseguiu deixar para a posteridade uma viva descrição sobre a junta revolucionária estabelecida em Goiana. A segunda visita ocorre em 1822 após retornar do Chile.
Os antecedentes do conflito. Revolução Liberal em Portugal. Em 24 de agosto de 1820, constituíram-se na cidade do Porto as Cortes que exigiam a promulgação de uma constituição liberal nos moldes da espanhola, cujo juramento o Rei D. João VI deveria prestar antes de ela ser aprovada pela assembleia e o seu retorno imediato ao Reino.
Brasil. Pernambuco. A notícia dos acontecimentos em Portugal causou expectativas entre as elites agrárias pernambucanas que viam nela a possibilidade de maior autonomia à província e passaram a desconfiar do Rio de Janeiro como um defensor do Antigo Regime. Em Pernambuco, o governado Luís do Rêgo Barreto, tendo observado a situação como um militar experiente que participou das guerras napoleônicas, decidiu reconhecer as autoridades das cortes lisboetas e sua constituição, conforme o decreto régio, assim a 3 de março no Recife ele reuniu as autoridades locais, a tropa e o povo a fim de efetuar o juramento. Quatro dias depois, a contragosto, o rei embarca de volta a Portugal.
O governador depois promoveu uma eleição a um conselho consultivo composto por pessoas que o apoiavam e no fim do mês nomeou a Junta Constitucional Governativa que só se reportaria a Lisboa, conforme os decretos das Cortes de 24 de abril. Esses acontecimentos aumentaram os descontentamentos em Pernambuco, cuja memória da Revolução de 1817 persistia e as execuções do ano anterior agravaram a situação, o que fez o governador conduzir cautelosamente a nova política, inclusive conciliando os presos dela soltos na Bahia após a formação da nova junta governativa de lá. Enquanto, isso silenciosamente formava-se a resistência contra esta denominada de Junta de Recife, cuja liderança coube a Francisco de Paula Gomes dos Santos, um rico plantador que perdeu tudo por ter atuado no conflito citado acima e participaram da organização da conspiração realizada no engenho de Cangahu Felipe Mena Calado, escrivão português do Ceará, Manuel Cavalcanti de Albuquerque, um dos irmãos Cavalcanti, ambos soltos da prisão da Bahia, e Joaquim Martins da Cunha Souto Maior, dono da propriedade.
Luís do Rêgo havia se negado a promover uma eleição para a Junta Governativa aumentando a oposição e passando a ser alvo de uma tentativa de assassinato à bala cometida em 21 de Julho por João Souto Maior que fracassou e fez aumentar a repressão pelo governo lega.
Em 29 de setembro de 1821, seiscentos homens compostos da milícia, de desertores da companhia de caçadores e de outras forças nativas, sob o comando do Tenente-coronel de milícias Manuel Inácio Bezerra de Melo invadem a Câmara Municipal de Goiana proclamando o fim do governo de Luís do Rêgo e estabelecendo naquela localidade, perto da fronteira com a Paraíba, um governo provisório até haver condições de estabelecer uma junta constitucional na capital.
Na noite de 21 de setembro, antes do desembarque de Maria Graham, os opositores atacaram Olinda ao norte e Afogados ao sul, mas foram rechaçados pelas forças realistas e depois aconteceu um novo ataque em 1° de outubro ao segundo local citado, tendo causado a mesma consequência anterior. Na manhã desse dia, a Junta de Recife dirigiu um manifesto à de Goiana oferecendo-lhe a paz e reiterando que Luís do Rêgo estava pronto a se demitir, ademais ela insinuou que o governo contava com apoio das fragatas inglesas e francesas ancoradas em Recife, porém segundo a viajante e esposa do Capitão da Dóris, a tripulação só tinha ordens de atuar na proteção da propriedade inglesa na cidade. Enquanto nas outras províncias, as eleições de juntas enfraqueciam o poder da elite local que dependia do apoio dos militares acontecia o oposto em Pernambuco governado por um, cuja capacidade administrativa reduzia-se.
Maria Graham teve a oportunidade de se encontrar com os membros da Junta de Goiana, devido ao bloqueio efetuado por seus membros que impediu o retorno de roupas pertencentes ao navio de guerra britânico e o embarque de mantimentos. Ao seguir até o quartel deles, ela encontrou na cavalgada uma deputação paraibana que ia propor condições a Luís do Rêgo. Na sede, escutou um longo discurso do secretário Filipe Mena Calado da Fonseca que expôs a injustiça do governo em relação ao Brasil, aos pernambucanos em particular e do governador português, justificando, assim, a constituição da junta adversária. O discurso lembrou-a dos manifestos carbonários italianos. Em seu diário datado de 1821, questionou se o governador não poderia ser chamado de rebelde por infidelidade ao rei. Os membros da Junta de Goiana alegavam não querer prejudicar D. João VI e estavam cientes do que dizia o decreto das cortes.
Sem uma alternativa para a vitória, a Junta de Recife decidiu dialogar. Em 05 de outubro, na povoação de Beberibe, aconteceu o encontro entre a deputação paraibana representando a Junta de Goiana com Luís do Rêgo e seus membros. Eles acordaram em deixar Recife sob o comando do governador e o restante com os goianos até a eleição de uma nova. Segundo, registra a viajante ambos os lados deveriam passar a ter representantes no conselho e parte igual na administração, os opositores deveriam retirar as tropas invasoras e permitir que o governador cuidasse dos negócios militares até chegar novas ordens de Lisboa.


Referências:
CARVALHO, Marcus J. M. Cavalcantis e cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.18, n.36. 1998. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S01020188199 8000200014&lng=e n&nrm=iso >. Acesso em: 28 out. 2012.

COSTA, Emília Viotti. Da Monarquia à República: Momentos Decisivos. 1a ed, Editorial Grijalbo, São Paulo, 1977.

GRAHAM, Maria. Diário de uma Viagem ao Brasil. Edusp, São Paulo / SP, 1990. (Coleção Reconquista do Brasil)